A gente deve sempre evitar atitudes precipitadas. É o que penso, neste início de outono tão pouco outonal (o mundo vai acabar, mas depois eu falo nisso outra vez), porque meu primeiro e insensato impulso foi juntar-me ao crescente coro dos que se impacientam porque o governo, apesar de o presidente ter tomado posse em janeiro, ainda não começou e cada passo para a frente é seguido de dois para trás. Pois é, quase entro nessa, mas aí, lendo os jornais, vendo os noticiários de tevê e observando outros sinais, chego à conclusão de que se trata de visão errada e, o que é pior, entortada pela má vontade.
A realidade é que, se à observação se seguir a meditação, ver-se-á que o governo está, por assim dizer, esquentando os motores e fazendo manobras preliminares. É só pensar um pouco para ver que o presidente, com a demora na armação do ministério, está ajustando o País a seu estilo de não governar. Foi isso o que o povo quis e é isso que está tendo, pois está mais do que na cara que, se ele foi reeleito por maioria tão significativa, é porque o povo gosta do estilo de não governar que ele estabeleceu desde o princípio, contanto que não toquem no Bolsa-Família, essa obra social de largo alcance, que dispensa o emprego e em breve, ao que tudo indica, estará sustentando a maior parte do povo brasileiro.
E certas mudanças já se deixam entrever muito claramente, de especial maneira na área social, que, como se repete com freqüência, não pode deixar de ser priorizada num governo de raízes populares. Já se falou muito, na semana finda, na idéia da Secretaria de Ação Social, de acordo com a qual se premiarão com bolsas as famílias de jovens infratores. O horizonte de possibilidades que essa abordagem originalíssima oferece chega a ser estonteante, uma revolução que, se levada adiante com determinação, poderá ser vista como um marco na história da civilização ocidental. E, se cada um fizer sua parte, o sucesso está garantido. Eu mesmo já me disponho a, no próximo ano, em Itaparica, combinar com famílias pobres deixar a porta de minha casa aberta, com um objeto já escolhido para ser furtado. Aí eu dou queixa na delegacia, a mãe me acompanha aos prantos, eu faço veemente denúncia da exclusão socioeconômica e a família recebe a bolsa. Acho que, em 20 dias de férias, dá para eu fazer uma obra social de vulto, criando pelo menos umas duas dúzias de bons ladrões conterrâneos. Claro que existe o risco de algum deles se apegar à profissão, mas tudo neste mundo envolve seus riscos.
Tenho certeza de que esse programa dará certo e renderá frutos. Como bom brasileiro, ofereço logo uma idéia, dentro do mesmo espírito: por que não - oh ovo de Colombo! - estender essa bolsa a assaltantes, ladrões de carros, seqüestradores e outros criminosos? O problema é social, certo? Assalta-se e seqüestra-se por necessidade, falta de emprego, discriminação, ausência de oportunidades, perversidade da sociedade consumista, etc., etc. Então se cria o Fundo Nacional para Recuperação do Delinqüente, talvez até um ministeriozinho, como é da índole deste governo. Depois de feito isso, bastará ao interessado preencher a Declaração de Criminalidade de Etiologia Social e juntar a documentação mínima (CPF, RG, comprovante de residência, título de eleitor, Darf quitado e o depoimento de dois assaltados, por exemplo), para receber ajuda estatal, em forma de Salário-Assalto, Ticket-Seqüestro ou Vale-Assassinato, tudo depois de cuidadosa análise por uma equipe de assistentes sociais, psicólogos e criminologistas. Claro que com isso o problema do desemprego estará resolvido e o crime estancado em sua raiz. Na verdade, a idéia é tão boa que só por patriotismo a ofereço de público, sem patenteá-la antes. Saldando sua pesada dívida para com os infelizes que matam, torturam, humilham, estupram, aleijam e enlouquecem, coitados, a sociedade não só estará se redimindo moralmente perante a História deste país, como, com a mesma cajadada, se livrando dos crimes e da insegurança.
E o Nosso Guia (em alemão, unser Führer, não canso de lembrar), se demora para montar seu ministério, não deixa de orientar a nação a todo momento, conscientizando-a de verdades que ele mesmo não enxergava antes de chegar ao poder, coisas que, vamos reconhecer, só quem chegou é que pode saber, a realidade é esta. E assim ele vem se dedicando a apontar os heróis que devemos venerar. Os primeiros citados foram os ministros, esses sofredores que disputam aos tapas sofrer mais, sofrer para sempre, se possível. Depois vieram os usineiros, que eram execrados até ele subir ao Sinai e ver a Luz. Em seguida, fará uma boa aposta quem acreditar que virão os banqueiros. Heróis, sim, mostrando ao mundo como é que se ganha dinheiro ilimitadamente. E, finalmente, adivinho a última categoria a ser promovida à condição heróica: o patronato do ABC, que conseguiu, no ver de muitos, pôr na presidência o maior pelego da História deste país, obrigando os dicionários a uma revisãozinha no verbete dessa palavra, talvez enobrecendo-a um pouco, pois afinal, se algo leva alguém à presidência da República, não deve ser de todo mau, pelo menos do ponto de vista do beneficiado.
Enfim, nada a temer. E ouso dizer que esse é o sentimento geral do povão brasileiro, como fica atestado na palavra sempre sábia de Jacó Branco, orador respeitado em toda a ilha e por que não dizer todo o Recôncavo.
- Nada de reclamar que o homem não está fazendo nada! - gritou ele, no meio de uma discussão política no bar de Espanha. - Vocês vão reclamando, vão reclamando e aí de repente ele vence a preguiça e faz alguma coisa e aí mesmo é que nós vamos estar cafuletados, deixa o homem enrolar!