Entrevista:O Estado inteligente

quinta-feira, março 29, 2007

Os contratos na Bolívia



editorial
O Estado de S. Paulo
29/3/2007

Talvez se explique, agora, por que os diretores da Petrobrás insistiam tanto em afirmar que o novo contrato de exploração de gás e petróleo assinado com a Yacimientos Petroliferos Fiscales Bolivianos (YPFB) era um contrato de produção compartilhada, e não de mera prestação de serviços, como definia o governo Evo Morales. Assim que assumiu o governo, Morales nacionalizou as reservas de hidrocarbonetos - e com isso as jazidas até então em poder de empresas petrolíferas como a Petrobrás não mais poderiam ser lançadas como ativos das companhias - e determinou que os contratos de exploração fossem renegociados até o final de outubro, segundo um modelo que tornava as petroleiras meras prestadoras de serviço. A Petrobrás, que desde o primeiro momento anunciou que não permaneceria na Bolívia se não fosse como sócia da YPFB, acabou assinando o contrato na última hora. Esse contrato nunca foi divulgado no Brasil.Mas na semana passada, quando o Senado boliviano tomou conhecimento dos termos do acordo - e também dos contratos assinados pela Repsol, Chaco e Total -, verificou que nos documentos recebidos havia cláusulas que não constavam nos textos que o governo já fizera circular. Em conseqüência, três comissões técnicas do Senado passaram a se reunir para encontrar os responsáveis pelo contrabando de dispositivos contratuais favoráveis às empresas. Não houve dificuldade em encontrar o culpado. Em depoimento prestado às Comissões, o presidente da YPFB, Manoel Morales Olivera, contou com toda a singeleza que o governo fez acordos verbais com as operadoras - que depois teve de passar para o papel. Também admitiu que foram feitas concessões após a assinatura dos contratos. Naquela altura, já haviam sido detectadas irregularidades em dez contratos. Após o depoimento de Olivera, a Câmara Alta - controlada pela oposição - pôs sob suspeição todos os 44 contratos.Diante disso, e depois de o ex-ministro dos Hidrocarbonetos Andrés Soliz Rada ter colocado em dúvida a legalidade dos contratos, por não terem sido aprovados pela diretoria da YPFB, e de o ex-presidente da estatal Juan Carlos Ortiz ter afirmado que a flexibilização dos contratos originais havia sido negociada sem seu conhecimento, as comissões do Senado congelaram a vigência dos documentos até o fim da investigação parlamentar. Quem conduziu as negociações, aliás, foi Manoel Morales Olivera, à época assessor da YPFB.

O escândalo atinge diretamente o presidente Evo Morales. A sua principal bandeira eleitoral foi a nacionalização das reservas de petróleo e gás e a revisão dos contratos com as operadoras estrangeiras que, segundo ele, exploravam a riqueza do país, condenando seu povo à pobreza. Outras promessas, de rápido crescimento econômico e de alívio das péssimas condições sociais em que vive a maioria dos bolivianos, obviamente não puderam ser cumpridas. Os movimentos sociais que o apoiavam incondicionalmente há meses vêm se afastando do governo - e alguns já manifestam aberta hostilidade a Evo Morales. A adulteração dos contratos de exploração de petróleo e gás certamente terá um alto custo político para o presidente, que recentemente anunciou que, concluídos os trabalhos da Assembléia Constituinte, renunciará para que possa ser escolhido um novo presidente para a Bolívia “refundada”. E é claro que ele caberia no novo figurino, numa repetição do que fez seu mentor venezuelano, o coronel Hugo Chávez.

O ex-ministro Soliz Rada, conhecido por seu radicalismo, já começou a cobrar a conta de sua demissão, determinada por Morales para abrir caminho para a negociação com as empresas estrangeiras. “A origem da responsabilidade está no presidente da República, por haver permitido que fosse um assessor o encarregado de negociar com as empresas petrolíferas”, acusou.

Evo Morales sempre poderá alegar que, com a aplicação da Lei de Hidrocarbonetos, as receitas do governo boliviano poderão passar de US$ 200 milhões para US$ 1,2 bilhão anual e que as operadoras dos chamados “campos grandes” - Petrobrás, Repsol e Total - pagarão impostos e royalties no valor de 82% da produção. Difícil será explicar que não foram assinados contratos de prestação de serviço, e sim contratos de produção compartilhada.

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