Se relevarmos o fato de que tecnicamente não existe uma coalizão partidária, que pressupõe um programa de governo comum, mas sim a união de coligações partidárias, muitas das quais nem mesmo atuaram juntas na campanha eleitoral, o Ministério que o presidente Lula está concluindo para este seu segundo mandato é bem representativo da sua base aliada no Congresso. A representatividade partidária desse primeiro Ministério é um fator positivo, do ponto de vista político é um governo que começa com estabilidade, com uma organização maior do que o habitual.
No primeiro Ministério, os partidos representavam cerca de 40% da Câmara, enquanto hoje esse número subiu para 60%, com a adesão do PMDB. Não se pode ter certeza de que esse estado de espírito continuará prevalecendo a longo prazo por causa do PMDB, que ganhou acertadamente uma dimensão mais importante, porque é o maior partido político do país, mas tem os seus problemas internos que impedem que se faça uma projeção de longo prazo sobre sua capacidade de atuar unido e de dar suporte ao governo.
O interessante na fala do presidente ao dar posse a três novos ministros é que ele revelou uma estratégia política que era pressentida, mas estava oculta até o momento, ao admitir que mudou algumas peças para dar lugar a partidos de sua base porque pensa para daqui a 20 anos.
Outro dia, na alegria exacerbada da comemoração de seus 61 anos, o ex-ministro José Dirceu já dissera que essa “coalizão” governaria o país nos próximos 20 anos. Ontem Lula disse isso por outras palavras, isto é, o projeto político que está sendo montado é um projeto de poder de longo prazo, é essa “coalizão” ficar no governo nos próximos dois, três mandatos.
Esse era o projeto inicial do PT, que Lula transformou em projeto de uma “coalizão” partidária que, embora heterogênea, se une em torno de sua figura carismática e de sua capacidade de se relacionar diretamente com o eleitorado mais pobre. O PT foi obrigado a abrir mão da hegemonia na “coalizão” e perdeu todos os cargos de coordenação política. A começar pelo Ministério das Relações Institucionais, que agora tem à frente Mares Guia, do PTB, um mineiro jeitoso que tem trânsito em vários partidos, todos os cargos de liderança no Congresso estão em mãos dos partidos aliados.
O cientista político Octavio Amorim Neto, da Fundação Getúlio Vargas, um estudioso da organização dos governos, acha que o Ministério altamente partidário é também “altamente fragmentado, altamente heterogêneo”, mas não por culpa exclusiva de Lula. O Ministério reflete “a Câmara de Deputados que emergiu da eleição, que é a mais fragmentada da história brasileira, e uma das mais fragmentadas do mundo”.
A chamada “dimensão partidária da formação ministerial”, na definição de outro cientista político, Sérgio Abranches, tem papel fundamental neste primeiro Ministério do segundo mandato de Lula. Um estudo de Octavio Amorim Neto mostra que todos os ministérios formados desde a posse de José Sarney, em março de 1985, até o final do primeiro mandato de Lula “são sempre arranjos multipartidários com maior ou menor grau de fragmentação e heterogeneidade ideológica”.
Esse novo Ministério de Lula seria comparável, em termos de heterogeneidade, ao de Itamar Franco, juntamente com o segundo Ministério do primeiro mandato de Fernando Henrique Cardoso e o primeiro Ministério do seu segundo mandato, os mais heterogêneos do ponto de vista ideológico, uma vez que partidos de todas as tendências ideológicas estavam representados no primeiro escalão do Executivo.
Os ministérios mais coesos ideologicamente, segundo Amorim Neto, foram o segundo e o terceiro de Collor, que só incluíram partidos de direita. Aspecto relevante da formação ministerial é a “taxa de aderência”, isto é, o grau de proporcionalidade agregada entre a percentagem de ministérios detida por cada partido e a sua contribuição, em cadeiras parlamentares, para a base legislativa do governo.
Esse Ministério de Lula tem uma distribuição mais equitativa de poderes, especialmente se comparado ao primeiro Ministério do primeiro mandato, quando o PT concentrou excessivamente poder ministerial, em detrimento dos seus parceiros de coalizão: o PT ficou com 18 das 30 pastas do primeiro Ministério de Lula, isto é, 60%, enquanto hoje é minoritário em relação aos demais partidos da “coalizão”.
Poderemos ter uma noção mais clara da força dessa “coalizão”, que teoricamente tem 60% da Câmara, pelo modo de governar de Lula.
Uma maneira de avaliar se um governo de coalizão majoritário é sólido é o Índice de Iniciativas Legislativas Ordinárias (ILO), que Amorim, Mc Cubbins e Cox criaram para saber se a utilização dos instrumentos ordinários de legislação, como projetos de leis ordinária e complementar e emendas constitucionais, prevalece sobre as medidas provisórias na implementação do programa de governo.
Através da análise da atuação parlamentar dos diversos governos, o cientista político Octavio Amorim Neto chegou à conclusão de que só os presidentes cujos partidos tenham uma percentagem considerável de cadeiras legislativas, e que ideologicamente tendam para o centro, têm maior probabilidade de implementar suas políticas através de procedimentos legislativos padrão (projetos de lei).
Selecionar ministros filiados a partidos seria uma maneira de realçar o papel das legislaturas e dos partidos no processo político. É o que Lula anuncia que vai fazer neste segundo governo.
Com os ministérios que montou no primeiro mandato, o Executivo recorreu na maioria das vezes às medidas provisórias, o que demonstraria a fragilidade daquelas coalizões.
Entrevista:O Estado inteligente
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