Aldo Fornazieri
Definida a maior parte do novo Ministério, é possível afirmar que o atual governo tem uma natureza política diferente do governo da primeira fase do primeiro mandato. Aquele governo poderia ser definido como um governo petista, completado com aliados. Um dos fatores que caracterizavam aquele governo como petista não dizia respeito apenas ao número de Ministérios que o Partido dos Trabalhadores (PT) ocupava, mas ao fato de que havia uma simbiose entre o chamado núcleo duro do governo e o PT, e as principais decisões do governo emanavam daquele núcleo duro, essencialmente petista, em consorciação com o comando partidário.
Até a eclosão da crise política, em meados de 2005, as decisões do presidente Lula pareciam precisar do aval do núcleo duro e do comando do PT. José Dirceu, Antonio Palocci e Luiz Gushiken constituíam um triunvirato que secundava Lula e, em alguns casos, chegavam a projetar sombra sobre ele. José Genoino era a ponte principal de articulação entre governo e partido. Os outros ministros operavam como satélites das decisões centrais petistas.
A crise política rebaixou as patentes dos antigos generais do PT. Os novos dirigentes do partido, por diversas razões, não conseguiram ocupar o espaço de poder dos antigos. A partir da eclosão da crise e da saída de José Dirceu e de Antonio Palocci, o presidente Lula foi-se assenhoreando cada vez mais das rédeas de seu governo até pontificar sobre seus auxiliares.
A forma como ocorreu a vitória de Lula em 2006 conferiu-lhe condições ainda melhores para exercitar o comando pleno do governo e de ser o árbitro das disputas dos partidos da base aliada por cargos e espaços. Há que notar que os ministros petistas que sobraram no governo rezam pela cartilha de Lula, e não mais pela cartilha da direção do PT.
As circunstâncias de sua vitória, a conjuntura pós-eleitoral e o carisma conferiram a Lula também a condição de líder político inconteste, sem par e sem rival na atual conjuntura. Lula paira acima dos partidos e dos outros políticos. A crise dos partidos de oposição, o declínio de antigos líderes, a escassa safra de novas lideranças e a pouca projeção de lideranças intermediárias dão a Lula um estoque de liderança política pouco comum na História do Brasil republicano. Mas é preciso registrar, nisto tudo, a existência de um paradoxo: Lula pouco usa o estoque excepcional de poder político que detém, seja para o bem, seja para o mal.
O poder excepcional de que é investido garante a Lula, mesmo não tendo mais o direito da reeleição, a manutenção de uma perspectiva de poder. Esta perspectiva se define pela potencial capacidade que o presidente detém de influenciar de forma decisiva sua própria sucessão.
Lula compôs o novo Ministério com vista a preservar a condição de árbitro de sua sucessão. Cuidou de não colocar nenhum político de primeira grandeza - nenhum Ciro Gomes com pretensões presidenciais para 2010. Colocou Marta Suplicy, mas antes tratou de submetê-la ao desgaste público com aquele “vai-não-vai”. Quis deixar claro que Marta ingressou no Ministério por vontade dele e lhe reservou o lugar que ele escolheu.
Trata-se de um Ministério constituído de quadros intermediários, nenhum deles detentor de liderança regional forte. Há alguns ex-prefeitos, como Tarso Genro, Marta Suplicy e, possivelmente, Alfredo Nascimento. Ex-governadores, somente Waldir Pires, numa pasta periférica. O novo Ministério é essencialmente lulista.
Lula distribuiu os Ministérios de forma bastante proporcional à força de cada partido da base. O PT detém um número maior. Mas muitos deles são fracos na sua estrutura, equivalentes a secretarias de Ministérios mais fortes.
O PMDB e os demais partidos aliados, assim, não estão fazendo parte de um governo petista, na condição de agregados. O novo Ministério conferiu ao governo a natureza de coalizão. Esta característica não se define apenas pela distribuição eqüitativa de Ministérios, mas, principalmente, porque não há como implementar uma atuação de governo petista, como ocorreu na primeira fase do primeiro mandato.
O tempo dirá se Lula saberá comandar, de fato, o Ministério, conferindo-lhe a funcionalidade de governo de coalizão. A eficácia da coalizão se definirá pela necessária integração das várias frentes ministeriais. Dependerá, mais do que tudo, da atuação dos partidos aliados no Congresso Nacional. Será ali a prova de fogo para aquilatar se o presidente Lula conseguiu montar uma coalizão partidária para dar sustentação ao governo.
Para que a prova proporcione um resultado positivo os partidos não se poderão entregar ao particularismo dos interesses, a condutas erráticas, quando não ao costumeiro chantagismo. Precisam colocar acima de tudo a preservação e a promoção dos interesses do governo. Mas a pulverizarão da base em torno dos interesses menores, paroquiais, de sub-bancadas, individuais, é um risco sempre presente.
Lula tem dois grandes problemas no Congresso: A tradição de conduta fisiológica dos partidos e dos parlamentares; e a fraqueza das lideranças de bancadas e governistas.
Lula não dispõe de nenhum grande operador político na Câmara dos Deputados que seja capaz de projetar sua liderança sobre o conjunto da base governista. Para suprir estas carências só há uma saída: que Lula entre em campo, tornando-se o centro de referência das exigência e de coordenação de sua base. Para fazer isso terá de, primeiro, ativar seu excepcional estoque de poder e, depois, gastar bastante tempo com a política e com os políticos. Resta saber se ele está disposto a enfrentar esse desafio e correr os riscos que lhe são implícitos.
Aldo Fornazieri é diretor acadêmico da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP)