Entrevista:O Estado inteligente

segunda-feira, março 26, 2007

Nas águas do futuro- José Serra



Artigo
Folha de S. Paulo
26/3/2007

Falando claro: para quase 80% da população de São Paulo, o abastecimento de água não está 100% garantido o tempo inteiro

A SEMANA da Água não pode terminar numa cachoeira de ilusões românticas mas na constatação de que enfrentamos um problema grave e urgente -mesmo no país que abriga 12% da água doce do planeta- e na mobilização realista para a luta pela água. Não custa lembrar que a água é um recurso precioso e limitado. Nenhum avanço tecnológico nem a mais refinada consciência ecológica conseguiram abolir uma regra em vigor desde a Idade da Pedra: quanto mais desenvolvimento se quer, mais água se precisa.
Apesar da imensa quantidade disponível, a água do Brasil se encontra em 23º lugar no planeta pelo critério de qualidade. Cerca de 80% se encontram na Amazônia. São Paulo, que abriga 20% dos brasileiros e produz um terço do PIB do país, dispõe de 1,6% de nossa água. Do ponto de vista hídrico, São Paulo também tem seu lado "Vidas Secas".
Conforme os padrões internacionais, a água divide os cidadãos em três categorias. Encontra-se em carência quem dispõe de até 1.500 m3 por ano.
São menos de 5 m3 por dia, o que não garante higiene e limpeza para ninguém. A condição adequada começa com 2.500 m3 e daí para cima. A fartura tem início nos 20 mil m3 anuais. Em três regiões do Estado, inclusive a Grande São Paulo, a carência é pior que a de Paraíba e Pernambuco, os Estados mais áridos do Nordeste.
No Alto Tietê, onde fica a região metropolitana, a disponibilidade é de 201 m3 por habitante por ano, contra 1.320 m3 na Paraíba -e menos de 1/12 daquilo que se define internacionalmente como condição "adequada". A região metropolitana de Campinas conta com 408 m3, e a do Turvo Grande, no noroeste do Estado, com 960 m3, contra 1.437 m3 em Pernambuco.
Define-se como "crítica" aquela região que não pode enfrentar uma estiagem mais severa sem comprometer mais da metade da água que consome. São os lugares onde às vezes "falta água". Por esse critério, a situação é "crítica" na Baixada Santista e também em Mogi-Guaçu, Pardo e Baixo Pardo. No Baixo Tietê e no Sapucaí-Mirim Grande, uma estiagem mais dura compromete 48% e 44% das necessidades cotidianas. Falando claro: para quase 80% da população de São Paulo, o abastecimento de água não está 100% garantido o tempo inteiro.
Encoberta por uma infra-estrutura ampla e mais avançada que a dos demais Estados brasileiros, essa escassez é quase invisível hoje. Isso pode não durar muito. Uma ameaça são estiagens prolongadas e enchentes agudas que os cientistas definem como a conta inevitável do aquecimento global. Outro aspecto é que o crescimento urbano sempre exige mais água limpa e sempre gera mais água suja, ao produzir novas cargas poluidoras.
Essa água do século 21 não sai dos rios, mas é o produto final de um processo complexo. Na região metropolitana de São Paulo, por exemplo, o desafio é atender, da forma mais racional possível, as necessidades de uma população enorme diante de disponibilidades dramaticamente limitadas.
É o caso, entre outros, da operação do rio Pinheiros e o reservatório Billings. Todos querem que o reservatório atinja o melhor padrão de qualidade da água, seja pelo abastecimento, seja pela valorização da paisagem.
O Billings ainda ajuda no controle das inundações e na produção de energia em Cubatão. A lei proíbe que receba água poluída, mas nada impediria que a água do Pinheiros, uma vez saneada, viesse a ampliar as disponibilidades do reservatório, elevando a reserva de energia em Cubatão e em benefício do próprio do rio Pinheiros.
Num esforço para evitar a escassez, cabe buscar um equilíbrio capaz de evitar tanto um desenvolvimento que destrói o ambiente como o radicalismo ambientalista que paralisa o progresso. Isso implica ação em diversas frentes. Recuperar a qualidade da água, em trabalho que inclui despoluição de córregos e melhoria gerencial no saneamento, como ocorre no projeto conjunto entre a Prefeitura de São Paulo e o governo do Estado, estimular tecnologias de baixo consumo e criar um sistema estadual de regulação do saneamento mais transparente. Medidas como o decreto que regulamenta a preservação de Guarapiranga, assinado na quinta-feira, têm função essencial. Também vale manter obras já planejadas ou em andamento, como o Projeto Tietê, o Plano de Controle de Inundações, o Programa de Proteção e Recuperação dos Mananciais na Grande São Paulo, o Saneamento da Baixada Santista e ainda o Programa Água Limpa, que apóia os municípios não operados pela Sabesp.
São ações que envolvem recursos financeiros significativos e incluem diferentes fontes do orçamento público, receitas operacionais e empréstimos em organismos internacionais.
Questionamentos recentes do TCU sobre a ineficiência de um gasto público federal estimado em R$ 2,4 bilhões nos últimos quatro anos, em sua maioria destinados a intervenções de saneamento, reforçam nossa convicção sobre a urgência de desonerar esses serviços da incidência do PIS/Cofins. Com base em resultados de 2006, essa desoneração federal aumentaria em R$ 1,35 bilhão a capacidade de investimento dos Estados brasileiros.
Caso sejam administrados de forma descentralizada, mas sujeitos a acompanhamento técnico e controle estrito, esses investimentos atingirão um nível de eficiência compatível com os desafios de um futuro sem pesadelos, que não será construído pelo desperdício, pelo ambientalismo desumanizado nem por uma visão cega de progresso que gerou os piores pesadelos do século 21. Nunca houve almoço grátis na história da humanidade. No futuro, até um copo d"água da torneira pode custar caro.

JOSÉ SERRA , 64, é o governador do Estado de São Paulo.

Arquivo do blog