Entrevista:O Estado inteligente

domingo, março 25, 2007

DANUZA LEÃO

Feias, bonitas


Os atributos físicos, tão valorizados, fazem com que as pessoas se esqueçam do principal

ERAM DUAS irmãs, uma muito bonita e a outra - bem, a outra não. A bonita tinha um corpo como qualquer mulher gostaria de ter (sem ser esquálida), era não só elegante, como se vestia de maneira diferente. Era original, criativa, isso sem ser extravagante nem exibida. Um show de mulher, que quando entrava nos lugares era olhada por homens e mulheres, com admiração.
Eu, ainda garota, era amiga das duas; inicialmente da mais bonita, pois era com ela que saía à noite, ia às festas, aos lugares onde as coisas aconteciam. A outra era casada; mal casada mas casada, e nos víamos eventualmente para almoçar. Ela era simpática, agradável, mas perto da irmã, desaparecia. E a irmã tinha sempre muitas histórias boas para contar.
Histórias dos bastidores da alta costura (tudo isso se passou em Paris), das pessoas famosas que ela conhecia, e sobretudo dos seus "dramas" amorosos. Ela nunca tinha um namorado só e, como nenhum morava em Paris, isso facilitava bem as coisas.
Ainda me lembro: naquela época -estou falando dos anos 50- os telefones eram precários, e as comunicações aconteciam por telegrama. Um dos namorados era príncipe -havia tantos, sobretudo na Itália- , se chamava Galvano e morava na Sicília. Volta e meia chegava um telegrama, marcando de encontrá-la em Palermo no fim de semana; e lá ia ela. O outro morava em Milão, e o encontro seria em Roma. Na época, nunca me ocorreu por que razão eles não iam nunca a Paris; era assim e pronto.
Ela sofria, e eles aprontavam, sumiam, namoravam outras, e assim foi indo a vida. Um dia ela achou que estava na hora de sossegar e se casou com um belo italiano; não me parece que tenha sido um grande amor, mas foi um casamento que funcionou. Ela foi morar em Milão, trancou-se em casa, e sua única distração, digamos assim, era a moda. Comprava tudo que aparecia de novo, até que um dia teve uma doença ruim e morreu.
Enquanto isso a vida da irmã continuava: separou-se do primeiro marido -porque quis-, marido esse que passou anos fazendo tudo para que ela voltasse. Se casou de novo, com um produtor de cinema, e o casamento, muito feliz, durou até que um dia ele teve um infarto fulminante e morreu.
Ela sofreu, mas não deixou a peteca cair; tempos depois estava casada de novo, com o homem que mais amou, e que trabalhava no show business. Foi um amor louco, absoluto; ele tinha uns 15 anos menos que ela, era lindo, e morreu aos 33 anos de cirrose. Como ela sofreu; parecia que nunca mais levantaria a cabeça.
É preciso aqui fazer uma pausa: desde que a irmã se casou, fomos ficando cada vez mais amigas. Fui percebendo o quanto ela era generosa, interessada pelas pessoas, pelo mundo em geral, sempre pronta a fazer agrados, carinhos, tolerante e paciente com todos que a rodeavam. Um dia conheceu seu último marido, com o qual está casada há 30 anos. Um ótimo casamento, devo dizer.
E fiquei pensando que os atributos físicos, tão valorizados, fazem com que as pessoas se esqueçam do principal, do que realmente importa, e que faz com que as pessoas se gostem, fiquem amigas, até se apaixonem. Nunca nenhum homem largou essa minha amiga; já a bonita teve uma vida sentimental atrapalhada, eu diria mesmo infeliz, e não sei se por acaso ou por que, eu comecei amiga de uma, o tempo passou e fui ficando amiga da outra como nunca havia sido da primeira.
E ainda sou.

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