Entrevista:O Estado inteligente

domingo, março 25, 2007

Focar na aprendizagem Paulo Renato Souza



Na sociedade do conhecimento, o ensino básico precisa ser universal e ter como objetivo o desenvolvimento da capacidade de pensar e de aprender dos alunos. Com essa bagagem os jovens estarão preparados para um mundo em que deverão continuar a aprender ao longo de toda a vida. Ainda que tardiamente, ao longo dos últimos anos conseguimos em nosso país trazer todas as nossas crianças para as escolas e ampliamos significativamente o acesso ao ensino médio. Entretanto, até agora, não tivemos êxito na melhoria dos indicadores de aprendizagem de nossos alunos. Os resultados obtidos com a criação do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb), em 1995, mostram uma situação estruturalmente inaceitável: menos de 10% dos alunos apresentam índices de aprendizagem compatíveis com a série que freqüentam. Além disso, nós nos situamos nas últimas posições nas diversas avaliações internacionais de que participamos.

Os últimos 20 anos assistiram a uma verdadeira revolução na ciência pedagógica, cuja dimensão não foi ainda totalmente reconhecida. Desenvolveram-se os conceitos relativos à aprendizagem: as habilidades e competências de aprender. A pedagogia passou a contar com critérios objetivos para fixar metas para todo o ensino básico dentro das novas exigências da sociedade do conhecimento.

Mais importante ainda, foram desenvolvidos instrumentos de medição, bastante precisos, dessas habilidades e competências, por meio de sofisticados sistemas de avaliação de alunos. A culminação desse processo foi o desenvolvimento da Teoria de Resposta ao Item, que permite construir escalas comparativas no tempo e no espaço. No limite, e com o tratamento estatístico apropriado, as escalas podem ser referidas internacionalmente, permitindo comparar o desempenho dos alunos e das próprias escolas em qualquer país e em qualquer tempo.

O sistema de avaliação brasileiro, criado a partir de 1995, se equipara aos melhores do mundo e segue as tendências mais modernas para aferir as mencionadas habilidades e competências dos estudantes. Temos agora uma régua universal para medir o resultado do processo de ensino e das políticas adotadas, assim como os economistas, por exemplo, têm na taxa de crescimento da economia ou na taxa de inflação medidas para avaliar o resultado das políticas econômicas.

Por outro lado, não estamos sós no mundo em relação à preocupação com a qualidade educativa. Os resultados da avaliação educacional vêm provocando reações na sociedade de muitos países desenvolvidos que não tiveram o desempenho que esperavam em avaliações internacionais. Muitos deles estão implementando programas de estímulo à melhoria do desempenho das escolas em relação à aprendizagem de seus alunos.

Até agora, todas as políticas recomendadas para melhorar a qualidade do ensino se concentram nos meios, ou seja, cuidam de melhorar as condições objetivas do funcionamento das escolas, de formar melhor os professores, de desenvolver programas para sua atualização e seu aperfeiçoamento, de melhorar sua remuneração, de equipar as escolas com laboratórios e computadores, e assim por diante. Ou seja, estão focadas apenas nas condições de ensino, com a expectativa de que venham a produzir os efeitos desejados na aprendizagem dos alunos. No Brasil, apesar de não termos atingido as condições ideais em relação aos meios para desenvolvermos um bom ensino, o fato é que, objetivamente, estamos melhor que há dez ou doze anos em todos esses quesitos.

Entretanto, os indicadores de desempenho dos alunos não têm evoluído na mesma proporção. Com flutuações relativamente pequenas para melhor ou pior, dependendo do ano e da série considerada, os resultados do Saeb de 2005 revelaram que estamos mais ou menos nos mesmos patamares de 1995. Apesar da enorme incorporação de novos contingentes de crianças e jovens às nossas escolas, já deveríamos ter mostrado alguma evolução, pelo menos a partir do ano 2000, quando o grande movimento de incorporação praticamente se esgotou. Em outras palavras, as políticas que estamos implementando não estão surtindo o efeito desejado.

Temos hoje a possibilidade de uma mudança radical no conteúdo da política educacional. Incorporar os indicadores resultantes dos processos de avaliação da aprendizagem em todas as políticas e normas educacionais é o caminho mais curto e efetivo para colocar a aprendizagem no foco central do funcionamento da escola. Desde a distribuição de recursos para as escolas, passando pelas regras da carreira do professor e de sua remuneração e chegando até a forma como designamos os diretores de escola e fixamos os objetivos para seu trabalho, tudo, enfim, relativo à escola pode hoje levar em consideração também os resultados dos processos de avaliação dos alunos. Obviamente, num país como o nosso, onde o sistema de ensino é bastante descentralizado, isso depende de iniciativas dos agentes responsáveis pela educação básica, que são os Estados e os municípios. Entretanto, a liderança do Ministério da Educação é imprescindível para que o País caminhe nessa direção. Estou seguro de que passaremos a colher resultados expressivos num período curto de tempo. No passado, isso não teria sido possível. Hoje, já criamos as avaliações e os resultados são conhecidos; falta incorporá-los efetivamente às políticas e normas educativas.

Paulo Renato Souza, deputado federal por São Paulo, foi ministro da Educação no governo Fernando Henrique Cardoso, reitor da Unicamp e secretário de Educação no governo Franco Montoro. E-mail: dep.paulorenatosouza@camara.gov.br

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