Três meses depois da escandalosa tentativa de aumentar os subsídios básicos em 90% e uma semana após a afirmativa peremptória do presidente da Câmara, Arlindo Chinaglia, de que o assunto não estava na pauta de discussão, o Congresso volta a falar em reajustar seus ganhos com a falta de transparência e a má-fé de sempre.
Era de se esperar a retomada do tema. Eleito defendendo o popularmente rejeitado reajuste de 90%, Chinaglia estava só aguardando o efeito dos primeiros dois meses em que recebeu elogios a mancheias pelo ritmo de trabalho que imprimira à Câmara, para ceder à demanda interna.
Apesar da evidente manobra para amaciar o terreno junto à opinião pública, Arlindo Chinaglia, Renan Calheiros e as excelências por eles presididas conseguiram surpreender em sua inesgotável capacidade de embromar e se autodesmoralizar.
Não esperaram esfriar o cadáver da “pior legislatura de todos os tempos” e já partem para arrebanhar dela o título, agora fazendo de conta que querem apenas a reposição do índice de inflação, mas, na realidade, investindo em ganhos bem superiores.
Isso, claro, esquecendo-se das promessas anteriores de reduzir outros benefícios, cortar verbas extras, diminuir de 15 para 13 os pagamentos mensais, extinguir o auxílio-moradia dos representantes de Brasília e revisar a concessão de benesses inexplicáveis como a passagem mensal para o Rio de Janeiro para cada um dos 513 deputados e 81 senadores, sejam de que Estados forem.
O problema nessa história de aumento dos parlamentares já não é o índice. O atualmente proposto, em si, é razoável: 26%. A questão que revolta as pessoas e de novo vai provocar reações negativas são os truques e os penduricalhos.
No quesito trucagem, temos vários exemplos. A extensão do aumento ao primeiro escalão do Poder Executivo, na tentativa de reforçar os apoios e dividir os desgastes com o presidente e seus ministros, é só o mais óbvio.
Há o faz-de-conta dos presidentes das duas Casas - o da Câmara fingindo-se irritado e surpreendido e o do Senado simulando indiferença -, mas há também a forma de apresentação da proposta: aprovada à sorrelfa, numa manhã de Congresso vazio, em sessão de votação simbólica na Comissão de Tributação e Fiscalização da Câmara, com a presença de seis deputados.
Pior que isso só a ação anterior, quando da aprovação do aumento por ato exclusivo (mas com a aprovação dos líderes) das Mesas Diretoras. Por decisão da Justiça, o Congresso viu-se obrigado a recuar e a submeter o aumento ao plenário.
No ano passado, não se chegou a um acordo. A proposta de reajuste pela inflação foi posta em debate, mas no fim o consenso foi o do adiamento da discussão.
Parecia ter prevalecido o bom senso, mas agora se vê que a Câmara e o Senado estavam apenas esperando a opinião pública aplacar sua ira contra gente cujo desempenho profissional não justifica merecimento de recompensas financeiras, para fazer nova proposta indecente.
No caso, são duas: liberação de um terço da verba indenizatória de R$ 15 mil para uso livre sem apresentação de comprovante fiscal e aumento da verba de gabinete de R$ 50 mil para R$ 65 mil.
Se aprovada a primeira, deputados e senadores terão um acréscimo de até R$ 5.416,81 em seus subsídios básicos já reajustados, tornando uma falácia o índice de 26%. Ele será, na prática, de 68%. Os subsídios passarão de R$ 12.667,42, para até R$ 21.667,23 e não para R$ 16.250,42, como dizem para efeito de propaganda enganosa.
Se passar também a segunda, terão ao seu dispor mais R$ 15 mil para serem acrescidos aos cerca de R$ 100 mil que é o custo mensal por cabeça parlamentar, levando em conta todos os benefícios.
Se o Congresso não está brincando, então está pouco se importando com as conseqüências tão danosas quanto evidentes que esse tipo de atitude traz à já abissal desconfiança que as pessoas têm dos políticos e do Poder Legislativo como um todo.
Não se trata, como argumentam os parlamentares, de um debate normal a respeito de um procedimento natural como a concessão de reajustes.
Trata-se de uma provocação. Da negação da transparência da qual o Legislativo tanto se orgulha quando se coteja com os outros dois Poderes. Não há uma explicação plausível para a insistência em lidar com o assunto na base da falsificação, dos truques baixos, da subtração de informações, da manipulação de números e da inútil tentativa de produzir fatos consumados.
Já passou da hora de deputados e senadores perceberam o quanto a preservação de um espaço mínimo de civilidade na relação que estabelecem com o público pagante é melhor para todos. O pré-requisito é o diálogo franco, sem trunfos escondidos sob os punhos das mangas.
Ou bem ainda não aprenderam que a sociedade está calejada e vigilante ou é forçoso concluir que se fazem propositadamente de surdos, pagam para ver até quando conseguem ir se aproveitando da paciência e solapando a inteligência alheias.