Entrevista:O Estado inteligente

quinta-feira, fevereiro 15, 2007

Roberto Macedo Previdência e premissas do governo


Na cerimônia de instalação do Fórum Nacional de Previdência Social, o ministro da área, Nelson Machado, referiu-se a cinco premissas do governo para a discussão de uma eventual reforma do sistema previdenciário. São elas: 1) O governo não aceitará sistema baseado na capitalização de contribuições individuais, semelhante ao adotado pelo Chile; 2) a reforma não trará mudanças no curto prazo; 3) serão respeitados os direitos dos aposentados e dos que já preenchem os requisitos para aposentadoria; 4) haverá uma “regra de transição longa”; e 5) a discussão ficará acima dos interesses das corporações de trabalhadores. Como sintetizou o ministro, o governo quer “mudanças suaves”.

Essas premissas indicam que o governo cogita de uma reforma, ainda que balizada pelas restrições que impõe. A primeira dá a entender que abomina o regime de capitalização mediante contas individuais, embora no seu conjunto o sistema brasileiro já incorpore essa capitalização. A questão está em saber que limite máximo de rendimentos a previdência pública garante a seus contribuintes e qual o espaço reservado a esse outro regime, aqui chamado de complementar.

No Brasil, o próprio governo incentiva, mediante benefícios fiscais, os planos desse tipo, individuais e nas empresas, privadas e estatais. Mais desses planos também estão previstos para o setor público, só que a reforma que fez essa ampliação ainda não foi implementada. Que tal adotar mais uma premissa, a de que reformas aprovadas serão executadas?

Nesse contexto, um dos passos equivocados do governo Lula foi o de elevar o teto de contribuição dos empregados para o INSS em cerca de 20% (hoje no valor de R$ 2.801,82). Isso gerou mais arrecadação no presente, ampliando a carga tributária, mas implicará maiores benefícios futuros, aumentando a responsabilidade do governo de garantir a quem contribui sobre valores próximos desse teto uma aposentadoria bem acima do rendimento médio da população, com isso reduzindo o espaço para a previdência complementar.

Para quê? Simplesmente para o governo cultivar seu ranço estatizante e arrecadar mais dinheiro, além de agradar a lideranças sindicais e outras corporações, que agora, pela premissa 5, promete não levar em conta. A conferir, relativamente à minha hipótese de que os interesses desses grupos continuarão dominantes, bastando definir elasticamente o prazo da premissa 2 e/ou alongar fortemente a regra de transição da premissa 4.

Ao lado desse teto exagerado, e do elevado valor das contribuições dos empregadores, pois neste caso a contribuição incide sobre o valor integral dos salários que pagam, outro problema crucial do regime administrado pelo INSS é a ausência de um limite mínimo de idade para a aposentadoria. Nos últimos dias houve aí um avanço, pois o próprio presidente afirmou, no seu jeitão, “que tem trabalhador que poderia trabalhar um pouco mais”. Infelizmente, a idéia não constituiu outra premissa para pensar a reforma.

Nesse caso do limite da idade, além das discussões do fórum, seria importante trazer ao amplo conhecimento da população o que efetivamente está em jogo. Em particular, é fundamental difundir informações sobre a expectativa de vida das pessoas na idade de aposentadoria, e não apenas os dados mais conhecidos, de expectativa de vida ao nascer. No debate sobre o limite de idade muitos usam estes últimos dados, pensando em bebês, e não nas pessoas que se aposentam.

Passemos ao que diz o IBGE sobre o assunto. Em 1980, os brasileiros tinham ao nascer uma expectativa de vida de 59,7 anos, se homens, e 65,7 anos, se mulheres, em média. Dados dessa natureza eram e continuam sendo usados pelos contrários a limites de idade de 60 ou 65 anos, sob o argumento de que haveria pouco tempo de fruição do rendimento da aposentadoria. Já o último levantamento, de 2005, mostrou que a expectativa de vida ao nascer passou a 68,2 anos, se homens, e 75,8 anos, se mulheres, o que fragiliza esse argumento.

Ele, contudo, não é o mais relevante. Dada a ausência de limites de idade, no INSS são comuns aposentadorias entre 50 e 55 anos. Assim, o importante é ver a expectativa de vida, ou melhor, de sobrevida nessas idades, pois isso dará uma indicação do ônus futuro dos benefícios hoje concedidos. Tomando-se apenas as pessoas com idade de 55 anos, em 2005, a expectativa era de viver até os 77,7 anos, para os homens, e até 81,3 anos, para as mulheres. Assim, os aposentados nessa idade tinham, então, a expectativa de ficar perto de 25 anos na folha do INSS.

Como essa expectativa continua aumentando, serão comuns os casos em que as pessoas ficarão mais tempo nas contas do INSS como aposentados do que como contribuintes. Quanto aos bebês de hoje, o argumento em torno de sua expectativa de vida ao nascer deve ser projetado para quando se aposentarem, com muitos deles já passando dos 100 anos.

Não se trata de dizer que quem viver verá, mas sim que quem vive hoje precisa enxergar também o futuro. Ou o Brasil encara rapidamente esses fatos e faz as reformas correspondentes, ou seu sistema previdenciário continuará como um ônus pesadíssimo e com efeitos deletérios sobre a poupança das pessoas, o investimento das empresas e o crescimento do País.

Enfim, faltam premissas mais fortes aos propósitos do governo para a reforma da Previdência. Ele acena com algumas mudanças, mas a frouxidão de seus pressupostos deixa espaço inclusive para nada fazer de concreto. Isso ao fixar um curso muito suave e um horizonte muito longínquo para os efeitos de uma reforma, além de não se comprometer em implementar o que já se aprovou, nem em voltar atrás no que já errou.

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