Entrevista:O Estado inteligente

quarta-feira, fevereiro 14, 2007

Ovo da serpente


EDITORIAL
O Globo
14/2/2007

A existência no PT de frações da esquerda de perfil mais autoritário acompanha a história do partido - e a legenda paga um preço por isso. Quando um dirigente petista, como Bruno Maranhão, comanda uma invasão para depredar o Congresso, um dos símbolos da democracia, a imagem negativa do partido é reforçada. E como nenhuma sanção à altura do delito que praticou foi imposta a ele, novamente a suposição de que o PT é conivente com visões antidemocráticas ganha força.

Essa faceta petista foi ainda mais realçada com o documento de uma corrente ligada ao Campo Majoritário, batizada de Novo Rumo, divulgado na semana passada, com a proposta de o presidente da República poder convocar plebiscitos sem a autorização do Congresso.

Além de ser um mecanismo autocrático, o dispositivo aproxima essa corrente petista do ideário chavista, a nova matriz do populismo e do autoritarismo latino-americano, com seguidores na Bolívia de Evo Morales e no Equador de Rafael Correa.

O presidente da Comissão de Defesa da República e da Democracia, da OAB, Fábio Konder Comparato, foi objetivo: "Os instrumentos de democracia direta e participativa são meios de controle da ação dos governantes pelo próprio povo; eles não podem se tornar formas de legitimação populista para a instauração de governos autoritários", disse ao jornal "O Estado de S.Paulo".

Candidamente, militantes dessa facção justificam a proposta sob a alegação de que países como os Estados Unidos fazem centenas de referendos por ano.

Mas nunca por cima do Legislativo, esqueceram de registrar. Impossível, ainda, imaginar consultas populares sobre temas amplos e complexos, como política monetária, dívida interna etc. Tampouco sobre a extensão de mandato de presidente.

Plebiscitos e referendos, válidos quando usados criteriosamente, tornam-se perniciosos ao serem manipulados por forças políticas que costumam investir contra a arquitetura da democracia representativa. Não é sem motivo que faz parte do kit bolivariano de tomada do poder a convocação imediata de uma Constituinte, na esteira da vitória nas urnas. A idéia é adaptar as leis a um projeto autoritário de ligação com as massas - plano executado com êxito na Venezuela e em curso, com dificuldades, na Bolívia e Equador.

Consulta popular sem o crivo do Congresso é o ovo da serpente de um regime arbitrário sob o disfarce de uma democracia formal.

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