O Globo |
16/2/2007 |
O roteiro da viagem que o presidente americano George W. Bush fará pela América Latina indica claramente a intenção política de tentar colocar uma cunha na crescente politização que a questão energética vem tendo na região, em especial pela atuação de Hugo Chávez, da Venezuela, e seus coadjuvantes Evo Morales, na Bolívia, e Rafael Correa, no Equador, país que por sinal tem reservas de petróleo tão grandes quanto as de Angola. Além do Brasil, Bush visitará Colômbia e México. O Departamento de Estado conta com o apoio do México, da Espanha e do Brasil para conter a expansão geopolítica desses novos dirigentes latino-americanos, que têm na energia um instrumento político que os coloca como protagonistas da cena internacional. O governo americano já decidiu que não vai polemizar com Chávez, para não lhe dar estatura política, mas ao mesmo tempo precisa que países como o Brasil atuem no sentido de equilibrar as ações políticas regionais. A idéia de que a América do Sul tem petróleo e gás suficientes para ser um parceiro internacional importante no equilíbrio desse mercado mundial vai ganhando força. Esse súbito interesse do governo dos Estados Unidos de usar o Brasil como anteparo às ações de Chávez e, ao mesmo tempo, abrir caminhos de negócios para o etanol produzido a partir da cana-de-açúcar e outros tipos de biodiesel, abre também novas perspectivas para o país, e não apenas econômicas. O governo Lula caiu em sua própria armadilha ao levar para o plano da política externa a mesma postura assistencialista que utiliza internamente. Se no plano interno essa política tem garantido votos e popularidade, e dificultado a atuação da oposição, que não sabe como combater um governo que é percebido como a favor dos mais fracos e contra a elite, no plano externo é o Brasil que representa a elite na América Latina e não pode, na concepção terceiro-mundista do Itamaraty, se comportar como um mero país imperialista. Ajudar os mais pobres, perdoando a dívida de países como Cuba, Gabão, Bolívia, Nicarágua, Cabo Verde, Moçambique e outros, é uma atitude natural dentro dessa lógica política, assim como aceitar pagar mais U$145 milhões anuais pelo gás que compra da Bolívia, assegurando que o abastecimento de gás da Região Sudeste e de Mato Grosso seja garantido. O que pode ser visto como uma pura e simples chantagem do governo de Evo Morales, descumprindo contratos já firmados, é compreendido pelo governo brasileiro como uma reivindicação justa. Ao mesmo tempo em que anunciou os novos termos dos acordos, o presidente Lula incluiu a Bolívia nos projetos comuns da região, inclusive de produção de etanol. A união das políticas energéticas da América do Sul, que inclui projetos mirabolantes como o gasoduto que corta a América do Sul de cima a baixo, e um polêmico plano da Venezuela de criar um programa nuclear conjunto - que ganhou contornos perigosos com a presença do presidente do Irã na posse de Correa, do Equador - ganha relevo numa situação de escassez de matéria-prima. A crise aumenta a importância dos combustíveis alternativos como o biodiesel, no qual o Brasil se destaca, e dá espaço para um amplo programa com os Estados Unidos. O Brasil é o líder mundial de produção de etanol através da cana-de-açúcar, e desenvolve a produção de biodiesel a partir de diversas fontes. A Europa é hoje o maior produtor de biodiesel, sendo a Alemanha responsável por mais da metade da produção. Como o etanol proveniente da cana-de-açúcar tem uma eficiência até seis vezes maior do que o produzido com o trigo e o milho, como se faz nos Estados Unidos, o governo americano subsidia os produtores. Um dos temas centrais é se a negociação da Rodada de Doha na Organização Mundial do Comércio pode acelerar o uso de biocombustíveis e organizar sua exportação, mas para tanto tem que haver negociações políticas de peso para que tanto os Estados Unidos quanto a Europa se disponham a abrir espaços para os produtores de biodiesel de países emergentes, como o Brasil. No plano energético, os Estados Unidos podem utilizar a Espanha - que já financia toda a indústria de tabaco cubana - e o Brasil para incluir Cuba no roteiro da produção do etanol através da cana de açúcar, assegurando uma transição democrática negociada na ilha. A Colômbia representa para os EUA uma importante fonte de suprimento de petróleo, não tão vital quanto a Venezuela, que cobre cerca de 20% da demanda americana, mas de qualquer maneira é o décimo maior fornecedor de petróleo para os EUA, maior que a Rússia, Oman, Argélia e os Emirados Árabes Unidos. Já o México, que é o segundo maior fornecedor dos Estados Unidos, tem uma das maiores reservas petrolíferas inexploradas. A perspectiva para a segurança energética dos Estados Unidos, segundo alguns analistas, é incerta. No mercado internacional do petróleo, existe a taxa de risco do terror, responsável por pelo menos 25% do atual preço. As reservas de gás e petróleo da América Latina podem ser essenciais nessa situação de demanda crescente e incerteza econômica. A América Latina tem cerca de oito trilhões de metros cúbicos de gás, e nesse campo o Brasil é um parceiro importante. A estabilidade do mercado internacional de energia pode passar pela América Latina, o que aumenta o peso político de uma região que, com líderes instáveis como Morales e Chávez, não tem perspectivas de estabilidade política sem que a moderação do governo brasileiro se imponha. Por isso, o papel de mediador do Brasil é tão mais importante quanto as conseqüências econômicas que podem advir dessa aproximação com os Estados Unidos. Dou folga aos leitores no carnaval. A coluna volta a ser publicada quinta-feira (22). |
Entrevista:O Estado inteligente
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Merval Pereira - A disputa pela energia
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