O Globo |
16/2/2007 |
Acontece com a regularidade das marés e dos trens ingleses. Quando uma tragédia comove e mobiliza a opinião pública, governantes e legisladores - estes, principalmente - desencadeiam uma série de ações e decisões visando, pelo menos hipoteticamente, a dificultar a repetição do fato traumático. Não é fácil para o cidadão comum distinguir entre a indignação legítima de quem nunca se cansou de clamar no deserto e o comportamento de quem simplesmente está pegando carona na comoção popular. Como no caso da morte do menino João Hélio. Anteontem (escrevo sem saber o que terá acontecido ontem), a Câmara espanou e aprovou um projeto de lei que retarda a libertação de condenados por crimes hediondos: o tempo mínimo de prisão passa de um sexto para dois quintos da pena. Parece significativo, mas fica a quilômetros de distância do problema real. O que realmente faria diferença seria um sistema de avaliação de cada penitenciário, a longo prazo, por pessoal qualificado para decidir se está ou não recuperado. E mais: um organismo que tanto ajude na readaptação do ex-presidiário como vigie o seu comportamento. Sem esses mecanismos, a escolha da fração da pena a ser cumprida em liberdade sempre será pouco mais do que palpite ou esperança. É desanimador que seja com algumas votações com muita pressa e pouca reflexão que o Legislativo imagine estar reagindo adequadamente à morte estúpida de João Hélio. E olhem que há no Congresso projetos de leis que obviamente dariam agilidade aos processos penais: por exemplo, o que permite aos juízes dispensar a repetição de depoimentos já colhidos pela polícia; ou outro, impedindo que a troca ou a ausência de advogados retarde julgamentos. Seriam dois bons golpes na chicana, se alguém se lembrasse deles. Também há idéias que parecem boas em tese. Mas só em tese. Por exemplo, a antecipação da maioridade penal em determinados casos. Mesmo sem se levar em conta a dificuldade de estabelecimento dos critérios que determinarão a antecipação, duas perguntas pedem resposta. Primeira: a lei preverá a fonte de recursos para remunerar os especialistas que determinarão a antecipação da maioridade? Segunda: a inovação significará aumento talvez considerável na lotação das penitenciárias. Quem garante que o sistema penal brasileiro está preparado para isso? Legislar em momentos traumáticos pode ser inevitável. Mas não muda dados concretos da realidade. Talvez seja boa idéia que o cidadão aguce a atenção e o senso crítico. Precisará de ambos para comparar o comportamento de governantes e legisladores nestes dias de emoção com seus atos e posições quando a poeira baixar. Em dias dominados pela dor e pela indignação, o sentimento popular pode estimular mudanças vitais. Ou apenas permitir que uns tantos políticos oportunistas ganhem espaços nas primeiras páginas e exposição nos telejornais. Daqui a um ano, ou mesmo uns tantos meses, a memória será, como sempre, a principal defesa da sociedade. É bom ir tomando notas. |
Entrevista:O Estado inteligente
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sexta-feira, fevereiro 16, 2007
Luiz Garcia - É bom anotar
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