Entrevista:O Estado inteligente

sábado, fevereiro 17, 2007

Cracolândia e os gigolôs de mendigo Mauro Chaves


Com trabalho extenuante e ousado, enfrentando as diversas máfias que há mais de quatro décadas deterioram o Centro de São Paulo, o secretário das Subprefeituras e subprefeito da Sé, Andrea Matarazzo, vai se tornando figura pública rara de se encontrar hoje: administrador que “pega o touro pelo chifre”, sem medo de se expor e arriscar na defesa intransigente do espaço público. Andrea sai às madrugadas, guiando seu carro, vistoriando o que já fez e o muito que ainda tem a fazer para revitalizar o Centro degradado da cidade. Pelo celular faz suas incansáveis comunicações: denúncias, pedidos de verificação às Polícias (Militar, Civil, guarda municipal) sobre movimentações suspeitas. Sempre com elegância, não desrespeita nem os violadores do espaço coletivo. Usa apenas estratégias eficazes para combatê-los. Só que insiste, não desiste. Não se deixa abater por críticas, boicotes, muito menos por tentativas de patrulhamento ideológico.

Para recuperar a zona da Cracolândia (batizada de Nova Luz) - região no entorno da Estação da Luz, entre o Bom Retiro e a Rua Santa Efigênia, há décadas abrigando atividades ilegais e criminosas, antes com cerca de 300 crianças perambulando no local de dia e 120 lá dormindo, e hoje com 90 circulando e 11 dormindo - Andrea Matarazzo desencadeou muitas ações: interditou 82 bares e hotéis irregulares (62 lacrou com tijolos), que abrigavam traficantes e usuários de drogas; lacrou todos os 15 ferros-velhos por falta de segurança, a maioria com materiais furtados do patrimônio público; interditou empresas de turismo clandestinas - que vendiam passagens inteiramente ilegais, até para o exterior; realizou uma vasta fiscalização de ambulantes, assim como das fontes de abastecimento de produtos pirateados, contrabandeados ou roubados, etc.

O subprefeito faz desapropriações, programa demolições e implanta um amplo plano urbanístico de revitalização do Centro, com base em incentivos fiscais da Prefeitura - para empresas que se instalarem no perímetro formado pelas Avenidas Rio Branco, Duque de Caxias, Cásper Líbero, Praça Alfredo Issa e Avenida Ipiranga. O propósito é atrair investidores e fazer renascer, com atividades produtivas, universidades, serviços, cultura, hotelaria, lazer, uma região com excelente infra-estrutura, inclusive para fins residenciais. Mas a maior dificuldade que enfrenta é a resistência dos gigolôs de mendigo: ONGs que sustentam o chamado “povo da rua”, pois dele tiram seu próprio sustento: ganham per capita, isto é, conforme o número de mendigos aos quais dão alimentos, para que permaneçam morando nas ruas.

A ideologia distorcida que está por trás dessa atividade é a do assistencialismo mais primitivo, que não estimula a recuperação pessoal, o aprendizado, a idéia de progredir graças ao trabalho e a valorização da dignidade humana. Tais ONGs - com raras exceções - só pretendem tornar mais suportáveis as condições de vida dos mendigos em seu “local residencial” na própria rua, acostumando-os a viver das doações que lhes “repassam” - quer dizer, uma vida mantida somente com esmolas, sem qualquer perspectiva de conquista pelo esforço. É que, se o “povo da rua” sair do hábitat, seus parasitas assistenciais perdem a renda.

Atendendo crianças e adolescentes nas ruas do Centro há um ano e meio, a psiquiatra do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas dra. Sandra Schivoletto, com uma equipe de 18 profissionais - psicólogos, psicopedagogos, fonoaudiólogos, terapeutas ocupacionais, pediatras, psicólogos de família -, conseguiu a recuperação de inúmeros carentes e drogados, muitos devolvidos às suas famílias, encaminhados a instituições de ensino ou a necessários tratamentos de saúde. Depois de cinco meses de competente trabalho, a dra. Sandra começou a sofrer o boicote das ONGs, que de uma forma ou outra impediam os deslocamentos das crianças para tratamentos ou atendimentos socioeducativos. Mas ela também é teimosa. Seguiu em frente.

De muitas dessas ONGs - designadas, por exemplo, por Instituto Mensageiros, Casa da Sé, Capim Verde, Cheiro de Capim, Três Corações, Casa 20, Missão Sena, Travessia, etc. - a Prefeitura já conseguiu se livrar. Não de todas, pois a pilantropia tem razões que a razão da administração pública desconhece. Destaca-se a atuação de um padre, de nome Júlio Lancellotti, cuja igreja (a de São Miguel Arcanjo, na Mooca) tem cerca eletrificada contra mendigos. Ele lidera movimentos do “povo da rua” contra o que chama de ação “higienista” do poder público. Certamente preferiria uma ação anti-higiênica, pois comanda ele um trabalho de “reciclagem” que emporcalha o Centro: pessoas rebentam os sacos de lixo, retiram o material aproveitável e deixam o resto espalhado na rua. Em carroças levam o lixo para locais públicos, de que se apossam, assim montando verdadeiros lixões no Centro - como o que fica na Rua da Mooca com Avenida do Estado. E uma das formas de esse “povo da rua” encontrar residência é cavando junto às colunas de sustentação dos viadutos, fazendo buracos para morar - já que, se tentar invadir a casa do padre, morre eletrocutado. Com a reforma da Praça da Sé, a grande reclamação anti-higienista foi contra os novos bancos da praça, que pelo tamanho dificultam (sem impedir) sua utilização como cama!

De qualquer forma, a renitência de um administrador público, que parece herdada de seus teimosos ancestrais italianos, já mostra visíveis resultados. A revitalização do Centro de São Paulo vai sendo indicada por muitos sinais, tais como os dos bons hotéis, dos bares, do comércio e das altas fachadas reformadas dos coreanos, no Bom Retiro.

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