Entrevista:O Estado inteligente

quinta-feira, fevereiro 15, 2007

Clóvis Rossi - Ou a coesão ou a barbárie



Folha de S. Paulo
15/2/2007

Com 31 anos de polícia, José Manoel Martins, delegado adjunto do 77º Distrito Policial de São Paulo, ainda conseguiu espantar-se com o caso que lhe chegou às mãos faz dias: um rapaz se apresentou no distrito com a boca sangrando por um soco.
Banal, certo? Mais ainda no 77º DP, que fica em Santa Cecília, no degradado centro velho. Por que a trivialidade do soco na boca impressionou um policial veterano?
Pelos envolvidos. Quem apanhou era o rapaz que, a pedido de um benemérito anônimo, distribuía café com leite e pão com manteiga para os moradores de rua da área.
Quem bateu foi o dono de uma padaria próxima, incomodado com a, digamos, concorrência desleal do pão, leite e café de graça.
Essa historinha diz muito sobre o verdadeiro pano de fundo da tragédia brasileira, feita de violência animalizada e insegurança coletiva: o rompimento absoluto da coesão social, se é que houve alguma coesão algum dia.
Pelo menos nas grandes cidades, implantou-se a lei da selva, pela qual sobrevive/prospera não necessariamente quem é mais apto, mas quem é mais forte.
Da desumanização decorrente, nascem crimes como o do menino João Hélio, o incêndio de um ônibus lotado no Rio e o de um carro com uma família presa dentro em São Paulo, para não mencionar os 41 mil homicídios, os 942 mil assaltos, os 2,1 milhões de furtos e os 650 seqüestros do ano retrasado.
A estrutura social injusta, até obscena, não pode servir de habeas corpus para o crime. Se todos os "famélicos do mundo" (para citar a Internacional) resolvessem matar crianças, já não haveria adultos para contar a história.
Mas é preciso deixar claro que, ou o Brasil começa já a construir um pacto social de fato, ou o teor de barbárie só fará aumentar.
Alguém aí enxerga estadistas com dimensão para a tarefa?

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