Editorial |
O Estado de S. Paulo |
13/11/2006 |
A Comissão de Constituição e Justiça do Senado demonstrou bom senso ao retirar da pauta a votação do projeto que regulamenta o acesso à internet e cria a Lei de Crimes de Informática. Resultante da fusão de três outros projetos apresentados entre 2000 e 2003, o texto cuja votação foi adiada é um substitutivo preparado pelo senador Eduardo Azeredo (PSDB-MG) que introduz amplas alterações no Código Penal, no Código de Processo Penal, no Código Penal Militar e na Lei de Interceptação de Comunicações Telefônicas, com o objetivo declarado de coibir a pornografia infantil, a difusão de vírus, a ação de hackers, o roubo de senhas, a manipulação de informações eletrônicas e transmissão de vídeos e músicas sem pagamento de direitos autorais. Embora uma iniciativa com esse objetivo fosse oportuna, tal o anacronismo da ordem jurídica brasileira, o substitutivo de Azeredo ficou tão ruim que conseguiu a proeza de ser vetado por quase todos os setores interessados. Para o Ministério da Justiça, o projeto acaba com o direito à privacidade. Para o Ministério das Comunicações, o texto fere os "princípios norteadores da internet". Para o Ministério da Educação, ele dificulta o programa de inclusão digital, cujo objetivo é interligar as escolas com rede de acesso em banda larga. Para entidades jurídicas, a proposta restringe a liberdade de expressão. Para as organizações não-governamentais, ela é uma "colcha de retalhos" que só beneficia bancos e administradoras de cartões de crédito, os principais alvos do cibercrime. E, para os especialistas em informática, Azeredo teria cedido ao lobby de algumas empresas de certificação digital, uma espécie de cartório virtual que atesta a veracidade de informações veiculadas pela internet. Atualmente, o Brasil possui mais de 14 milhões de usuários de internet e só perde para a França no tempo de permanência online. Em média, cada usuário passa 19 horas e 24 minutos conectado à rede mensalmente. O problema do substitutivo de Azeredo é que, com o objetivo alegado de tornar mais seguro o uso da internet, ele obriga o usuário a fornecer nome, endereço residencial, telefone e o número da cédula de identidade e do CPF às empresas provedoras, que exerceriam o papel de fiscal, confirmando a veracidade dos dados. O acesso à internet somente seria liberado após o provedor confirmar a identidade dos usuários. A excessiva burocratização no uso de um instrumento concebido para acelerar a transmissão de informações e a criação de novas práticas cartoriais num País marcado por cinco séculos de cartorialismo não são os únicos defeitos do projeto. Outro, mais grave, é que, ao obrigar os provedores de serviços de correio eletrônico a manter por longo período um detalhado cadastro com a data e a hora em que cada comunicação por e-mail foi efetuada, sob a justificativa de propiciar "informações que permitam esclarecer autores de delitos", o projeto permite a diferentes instâncias do poder público invadir a privacidade de todo cidadão que tenha um computador. Com o controle da comunicação eletrônica pelo Estado, as autoridades teriam acesso desde a uma simples troca de mensagens entre adolescentes apaixonados até a correspondência sigilosa entre empresas e seus fornecedores e clientes. Uma das críticas dos especialistas em informática é que o projeto não estabelece de modo preciso as condições para as autoridades requisitarem extratos das comunicações eletrônicas e os limites jurídicos que terão de respeitar. Outra crítica é que informações de natureza pessoal de usuários da internet ficarão em bancos de dados expostos a eventuais devassas judiciais, além de poderem ser extraviadas e utilizadas para fins escusos. Os advogados criminalistas também chamam a atenção para a desproporção das penas, lembrando que o projeto pune mais severamente quem acessa a internet sem autorização do que quem entra na rede com o objetivo de destruir arquivos ou de roubar dados. Por isso, foi oportuna a decisão da Comissão de Constituição e Justiça do Senado de retirar o projeto da pauta de votação. Agora, o que dela se espera é que, em vez de retomá-lo ainda este ano, como querem as empresas provedoras e os bancos, o mande de uma vez por todas para a lata de lixo. |
Entrevista:O Estado inteligente
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