O Estado de S. Paulo |
28/11/2006 |
Os últimos dias têm sido marcantes na história dos retrocessos que de vez em quando assolam a cena nacional. A presidente do Supremo Tribunal Federal, ministra Ellen Gracie, propõe tratar com o Poder Legislativo a respeito de aumento de salários e instituição de pagamento de jetons aos participantes do Conselho Nacional de Justiça, que hoje dará a conhecer ao País a existência de 200 desembargadores que ganham salários acima do teto permitido pela Constituição. Marajás e jetons, dois temas esquecidos, questões aparentemente resolvidas anos atrás, com a extinção do pagamento extra por sessão a parlamentares e a criação de um valor máximo de salário para o funcionalismo, são ressuscitadas agora, junto com a nova temporada de reivindicações salariais dos beneficiários do teto, os magistrados, e dos candidatos a usufruir do mesmo privilégio, os parlamentares. O trato entre Poderes tem tudo para resultar em ganhos para ambos, pois de um lado da mesa estão os que fazem as leis e, de outro, os responsáveis pela aplicação dessas mesmas leis. Quer dizer, tendo um a faca e o outro o queijo nas mãos, a união só pode lhes ser benéfica. Pena que quem saia perdendo seja o público pagante (de impostos), que verá, a partir do acerto, mais uma boa parte dos Orçamentos federal e estadual ser empenhada com gastos de pessoal por causa do efeito cascata desses aumentos na cúpula sobre os tribunais e Assembléias Legislativas País afora. Os dois têm força e condições legais de alcançar seus objetivos. Falta-lhes apenas sensibilidade social para perceber a monumental inadequação de suas propostas. O aumento, alegam magistrados e parlamentares, é constitucional. Tão em acordo com a lei como sempre foram as decisões judiciais que engordavam de maneira legal, mas deformada, os contracheques dos notórios marajás, que ainda preservam representação nas diversas carreiras do funcionalismo. De fato, a reivindicação do Supremo diz respeito à reposição salarial, bem como em tese não estariam em situação ilegal os parlamentares se recebessem igualmente o teto. Mas, é justo? Sobretudo, é legítimo que os dois Poderes em tese reguladores e guardiães do equilíbrio de direitos e garantias se imponham a tarefa prioritária de assegurar seus ganhos sempre no pico? A idéia do teto surgiu para impor um limite e não para servir de referência, para justificar reivindicações de isonomia ou para funcionar como padrão salarial. Deputados e senadores ganham R$ 12.800, benefícios, verbas adicionais, passagens, moradia, combustível, franquias postal e telefônica, e magistrados recebem R$ 24.500. Querem mais, pedem reajuste. Mas quedam-se totalmente surdos diante do que se passa à sua volta, e aqui não vamos fazer comparações com o salário mínimo, mas com a condição do restante da sociedade, e até do funcionalismo, de também precisar e reivindicar, mas não ter meios nem modos de pressão para fazê-lo. A grande maioria, senão quase a totalidade, da população não tem reajuste de salário periódico desde o fim da inflação. As pessoas ganham seus salários e obtêm aumentos mediante promoções de merecimento, troca de emprego, capacitação profissional. Que sentido faz, diante dessa realidade, os Poderes Judiciário e Legislativo reivindicarem para si uma situação de anômalo privilégio? Nenhum, a não ser a absoluta inversão de valores e ausência de noção do quanto os seus serviços são mal avaliados por quem lhes paga o salário. Em sua campanha institucional contra o voto nulo, a Justiça Eleitoral passou dois meses incutindo na cabeça do eleitorado o conceito de que, na relação de hierarquia com o poder público, o povo era o "patrão", e agora o Supremo Tribunal deixa de lado esse princípio para abraçar a tese oposta, usando de sua força e prerrogativas para seguir, impávido, sua jornada sindical. Descontrole interno O Conselho Nacional de Justiça perde em confiabilidade e credibilidade ao se ocupar da situação financeira de seus conselheiros muito antes de fornecer à sociedade um rol de ações que justifiquem a expectativa positiva quando de sua criação. Há dois anos foi saudado como um dos grandes avanços da reforma do Judiciário, por instituir o chamado controle externo. Até agora não correspondeu. Princípios Observando a conduta de certas excelências, o leitor Ricardo J. Fernández lembrou-se de um episódio vivido anos atrás com seu pai, um anarquista "atávico e orgânico" que deixou a Espanha em 1948, por causa de um "probleminha" com o ditador Francisco Franco. Estudante do ensino médio, Ricardo andava em busca de explicação para o conceito de "experiência humana". Um dia, numa pescaria, perguntou ao pai: "O que o senhor entende por experiência humana?" - Depende... por exemplo... para os políticos, experiência é a arte de mandar os princípios às favas! (a expressão original era mais, digamos, anarquista) |
Entrevista:O Estado inteligente
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