Entrevista:O Estado inteligente

sexta-feira, novembro 24, 2006

Dora Kramer - Os sete mandamentos

Dora Kramer - Os sete mandamentos


O Estado de S. Paulo
24/11/2006

O PMDB de quando em vez tem uma idéia. Agora ocorreu ao partido, às vésperas da formalização da adesão integral ao governo Luiz Inácio da Silva, redigir em cima da perna um conjunto de sete mandamentos mediante os quais pretende convencer as pessoas de que não troca apoio por cargos e sim estabelece com o governo uma coalizão programática.

Segundo o presidente do PMDB, Michel Temer, é inaceitável a pecha de fisiológico que notabiliza o partido e exibe como 'prova' da altivez doutrinária dos pemedebistas, a tal agenda: reformas política e tributária, crescimento econômico acima de 5%, manutenção dos gastos correntes a níveis inferiores ao PIB, consolidação das atuais políticas de transferência de renda, renegociação das dívidas dos Estados, fortalecimento da federação e criação de um conselho político de partidos para acompanhar as ações do governo.

Os escribas da nobre tábua não se deram ao trabalho de pensar em algo - senão novo, pois seria exigir demais ante a urgência do fechamento do negócio - pelo menos não tão óbvio e genérico quanto o documento de obviedades por eles apresentado a título de 'compromisso com a governabilidade'.

Juntaram os assuntos que estão sendo falados todos os dias nos jornais, deram a isso o nome de 'agenda mínima para a coalizão' e saíram junto com ministros e o próprio presidente considerando isso um ato 'histórico' porque nunca antes neste País alguém havia conseguido unir, disciplinar e regulamentar o PMDB.

Ora, ora, por quem sois, o PMDB continua tão cindido em facções como sempre foi. Nem de longe a adesão em massa significa resultante de grande labuta de articulação. É produto simplesmente de uma decisão governamental de dar mais e dividir com certo equilíbrio os benefícios.

Se Geraldo Alckmin tivesse vencido, o partido estaria disposto ao mesmo e, de certo, com a mesma agenda mínima. Inclusive porque já esteve pronto para isso há quatro anos, quando José Dirceu fechou negócio com Michel Temer mediante dois ministérios e Lula vetou na última hora.

Tudo o que o presidente da República fez agora foi flexibilizar seus critérios e render-se à evidência da necessidade de ter a seu lado um partido forte e experiente, para não ficar exclusivamente nas mãos do baixíssimo clero partidário combinado com um PT problemático e legendas de esquerda insignificantes.

A turma do PMDB que na época não teve escolha a não ser denominar-se de 'oposição', alegando respeitar o resultado das urnas de 2002, estava apenas à espera da quebra na exclusividade conferida pelo presidente aos senadores Renan Calheiros e José Sarney para acertar os ponteiros, não por convicção, mas por conveniência.

E o fizeram bem antes da divulgação dessa agenda de fancaria. A maioria ajeitou-se na campanha eleitoral mesmo quando então já amenizavam substancialmente os medonhos conceitos que faziam do governo Lula, em preparação ao discurso de adesão que, em alguns casos, tem a cínica justificativa de 'estratégia' para lutar 'por dentro' ao molde de antiga esquerda.

O PMDB não fez história, apenas aderiu e agora espera a recompensa. Uns querem cargos, outros postos de poder. Nenhum deles, porém, condiciona verdadeiramente seu apoio ao cumprimento dos sete mandamentos.

Ou vão romper se não se aprovarem as reformas? Ou pegarão em armas (no bom sentido) caso não se fortaleça a federação? E os gastos correntes do governo, terão como influir na sua contenção?

O mandamento sobre a consolidação das políticas de transferência de renda é outra falácia, dado ser o governo o maior interessado em sua manutenção. Dificilmente irão se revoltar os pemedebistas se o tal conselho político de partidos vier a se configurar em inutilidade semelhante ao Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social.

O melhor da agenda, entretanto, é o item relativo ao crescimento econômico. O partido 'exige' crescimento de 5%, mas o faz no exato momento em que o presidente da República reconhece não fazer a mais pálida idéia de como chegar lá, a despeito de ter passado quatro anos e uma campanha eleitoral anunciando a estréia do espetáculo. Neste ponto, o PMDB comprometeu-se mesmo com o quê? Com o mesmo em relação aos outros pontos: com nada.

É como diz sempre o presidente do Senado, Renan Calheiros, 'o PMDB não tem compromisso com o erro'. E, por erro, já ficou demonstrado em várias oportunidades, entenda-se qualquer contrariedade de seus interesses.

Se ao longo do tempo o atendimento não corresponder às expectativas, o partido voltará a criar todos os problemas que sempre criou desde o abandono da marca de legenda combativa para adotar, ainda no governo José Sarney, o pragmatismo fisiológico como a razão de ser de sua existência.

Existência esta presidida não pela lógica natural dos partidos da busca do comando do País pela conquista da Presidência da República disputando ele mesmo o cargo, mas do fortalecimento das bancadas no Congresso e das estruturas estaduais para pressionar o ocupante da Presidência, qualquer um, a dividir com ele os dividendos do poder.

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