Entrevista:O Estado inteligente

sábado, novembro 25, 2006

O Crocodilo: crítica violenta a Berlusconi

Entre o folclore e o horror

Em O Crocodilo, Nanni Moretti faz um
violento ataque ao ex-premiê Berlusconi
– e à Itália que se deixou seduzir por ele


Isabela Boscov

DA INTERNET
Trailer do filme

Outrora produtor de filmes trash como Maciste contra Freud, agora o cinqüentão Bruno Bonomo (Silvio Orlando) é simplesmente um falido. Seu casamento está desabando, e ele tenta esconder dos filhos pequenos a separação; o banco declara que vai executar sua dívida, e ele inventa desculpas e projetos mirabolantes para fingir que o inevitável não vai acontecer; há dez anos sem lançar um filme, ele perde sua última tábua de salvação quando um diretor se recusa a rodar a história de Cristóvão Colombo com uma caravela de brinquedo ("Mas ninguém vai perceber", ele argumenta, aflito). Bruno parece ser, enfim, o típico protagonista tragicômico italiano, e habita o que se anuncia ser uma típica sátira do diretor Nanni Moretti. É um alienado – ainda que doce e digno de simpatia. Tão alienado que, quando tudo mais falha, ele se agarra ao roteiro de uma estreante, sobre um bilionário empresário de televisão que embarca numa carreira política com ambições inconfessáveis e dinheiro de origem nebulosa – e não percebe que se está falando de Silvio Berlusconi, primeiro-ministro italiano entre 1994 e 1995 e, depois, de junho de 2001 a maio de 2006. É Berlusconi, aliás, o personagem designado no título O Crocodilo (Il Caimano, Itália/França, 2006). E é a partir do entendimento que Bruno Bonomo ganha sobre o que está fazendo que o filme de Moretti, desde sexta-feira em cartaz no Rio de Janeiro, tira sua força considerável.

Como diz o único financiador que topa entrar no projeto – um polonês –, a Itália às vezes se comporta como uma "Italieta" (no sentido de "republiqueta"), dividida entre o folclore e o horror. Moretti, então, primeiro joga para o espectador a isca do folclore, que abrange das trapalhadas do pobre Bruno aos discursos bufos de Berlusconi no Parlamento europeu (em imagens de noticiário, já que esse é um daqueles casos em que a ficção não tem como superar a realidade). Todos os amigos de Bruno lhe dizem que não vêem sentido em fazer um filme sobre Berlusconi, já que o país inteiro sabe de seus enroscos. O que poderia haver de novo a acrescentar?

Muito, defende Moretti, que aí dá rédeas à sua outra veia – a de arauto do desespero. Bruno deixa de soar engraçado para se revelar uma figura trágica. A Itália começa a parecer menos cínica para se mostrar presa (de novo) de um pacto fascista, não mais na versão triunfalista de Benito Mussolini, mas na encarnação brega, colorida e barulhenta proposta por Berlusconi. E, deste, Moretti tira a máscara do ridículo, com que o primeiro-ministro camuflou seus atos e intenções ruinosos. O que se tem aqui é um homem sobre quem pesam suspeitas de ter usado o governo para malversar, manipular, aliciar e corromper, como se esses fossem os pilares de uma "nova ordem" – e que, quando denunciado, subverteu o papel das urnas, transformando a conquista de um novo mandato em absolvição. (Não, leitor, não se mudou aqui de assunto por engano. O tópico ainda é a Itália...) Moretti fecha seu filme com a encenação de um julgamento, no qual ele pessoalmente indicia ambas as partes – o absolvido e os que o absolveram – e oferece uma sentença: quem enxerga ridículo onde o que está em jogo é o trágico e o sinistro tem de se preparar para o horror.

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