Entrevista:O Estado inteligente

quarta-feira, novembro 22, 2006

Dora Kramer - Apagão presidencial



O Estado de S. Paulo
22/11/2006

Consta pelos comentários e informações de ministros e parlamentares ligados ao governo que o presidente Luiz Inácio da Silva adiou a formação do ministério do segundo mandato para fevereiro. A contar por atos e palavras do presidente desde a vitória eleitoral em 29 de outubro, ele resolveu postergar também a descida do palanque e o reinício de suas atividades governamentais.

É o que se depreende da indiferença que Lula tem demonstrado em relação ao caos no sistema de transporte aéreo, da surpresa no tocante à fartamente anunciada crise na agricultura e do exercício de autoridade à deriva ao dar "48 horas" de prazo para a solução dos problemas financeiros do Incor sem que nada acontecesse, transcorridos quase dez dias da ordem sem cobrança e, portanto, desprovida de substância.

Enquanto a crise nos aeroportos completa um mês de vaivéns com picos de atrasos e normalização temporária nos horários dos vôos sem que nenhuma autoridade consiga fornecer uma explicação consistente nem que se passe um dia sequer sem a produção de versões conflitantes entre a Aeronáutica, a Agência Nacional de Aviação Civil e o Ministério da Defesa, o presidente ocupa-se do, neste momento, absolutamente secundário.

Pergunte-se a qualquer um dos 14 milhões (dados da Anac) de passageiros de aviões no Brasil qual o peso que dão às conversações presidenciais com o PMDB ou que importância conferem aos gestos de Lula na direção do PSDB ou, então, para a idéia de criação de um conselho formado por ex-presidentes da República, aí incluído Fernando Collor de Mello, para discutir as grandes questões nacionais. O interesse será nulo.

Até porque não há nenhum risco ou situação institucionalmente delicada em jogo que justifique a necessidade de uma união das forças políticas. A última vez que isso foi necessário, quando da transição do regime militar para o poder civil, o PT foi o único a recusar participação, por considerar o gesto politicamente contraproducente para o partido, do ponto de vista de suas ambições.

Só o colapso do controle da aviação já justificaria aquela entrevista coletiva prometida no dia da vitória pelo presidente da República. Mas Lula nada disse até agora a respeito. Só o que fez foi uma reunião pedindo "providências".

Nada aconteceu a não ser a edição de uma medida provisória autorizando a abertura de concurso para a contratação de novos controladores, em franca divergência com as afirmações da Aeronáutica, segundo as quais não há deficiência de pessoal nem sobrecarga de trabalho, muito menos falta de material adequado ou corte de verbas.

O que há, segundo o brigadeiro Luiz Carlos da Silva Bueno disse ontem em audiência pública no Senado, é uma epidemia de "problemas psicológicos" assolando 32 controladores. Quais problemas? Não se sabe.

Quando as coisas voltarão ao normal? O comandante da Aeronáutica assegurou que no Natal. Já o presidente da Agência Nacional de Aviação Civil, Milton Zuanazzi, sentado ao lado dele na audiência, disse que nada é garantido, simplesmente não sabe.

E ficamos assim à mercê de uma circunstância em que o único dado transparente é a total ausência de comando e gerência nessa crise, enquanto o presidente Lula se dedica com afinco a administrar questões menores do ponto de vista da coletividade. A montagem de sua "base" no Congresso só interessa a ele e aos políticos interessados na divisão do poder, pois não há entraves urgentes a serem resolvidos no Legislativo.

O presidente Lula, que tanto gosta de se comparar a Fernando Henrique Cardoso, poderia tomar como exemplo a gestão da crise de energia em 2001. FH foi pego no contrapé pela incompetência de seu governo, mas reagiu na dimensão exigida pela situação, mobilizou o governo, lançou um plano no qual a sociedade se engajou, a despeito das críticas ao governo, e administrou a adversidade.

Lula, acostumado à bonança, está preferindo ignorar a tempestade, mas uma hora terá de enfrentar a dura realidade.

Recibo

O presidente do PMDB, Michel Temer, convidou o presidente do Senado, Renan Calheiros, para acompanhá-lo hoje ao encontro com Lula, no intuito de pôr à prova a sinceridade do senador no tocante ao desejo de ver o partido unido.

Calheiros não decepcionou. Recusou em sinal de desagrado à interlocução institucional do presidente da legenda e confirmou, de público, o já sabido em particular: que o grupo pemedebista aliado a Lula no primeiro mandato não trabalha para dar ao presidente o que ele pede - o partido todo -, mas para manter a exclusividade na relação e, por conseqüência, nas benesses.

Deflação

No início de 2006, o governo federal propôs, e conseguiu aprovar, um reajuste de R$ 30 no valor do salário mínimo. Agora, para 2007, o valor do aumento proposto é quase a metade, R$ 17.

Pode ser que não haja relação de causa e efeito entre o fato de um ano ter sido eleitoral e o outro não. Pode ser, mas não parece.

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