Coisas da Política
28/11/2006
Augusto Nunes
augusto@jb.com.br
Três socos na sensatez
O Superlula, um herói brasileiro anabolizado por 58.295.042 votos, já deu três socos na mesa depois da reeleição. O primeiro sublinhou o aviso endereçado pelo presidente vitorioso nas urnas a meia dúzia de pais da Pátria ligados ao setor da saúde: tinham 48 horas para resolver a crise do Instituto do Coração, o Incor, prostrado por um enfarte financeiro. Mais de 48 improvisos depois, a crise continua.
O barulho do segundo soco projetou as nuvens da ameaça sobre outra cobrança de Lula: se o apagão aéreo não fosse imediatamente debelado por soluções luminosas, a companheirada conheceria a face escura do chefe. Indiferentes ao surto de braveza, os controladores de vôo mantiveram a operação tartaruga na velocidade de cruzeiro. E os aeroportos foram reduzidos a zonas conflagradas.
Institucionalizou-se o atraso em nove a cada 10 pousos ou decolagens. O país descobriu que soluções definitivas não virão antes de 2010. E percebeu que até o encerramento do primeiro mandato não virá sequer a demissão de Waldir Pires, ora em repouso no gabinete do ministro da Defesa.
Tampouco parecem ameaçados pela perda do emprego os integrantes da equipe econômica, destinatários do terceiro soco na mesa desferido pelo SuperLula. Animado com o triunfo eleitoral, o presidente decidiu que a economia, daqui por diante, deverá crescer 5% ao ano. Como não pode entender de tudo, pediu a companheiros especialistas em contas que mostrassem o mapa da mina. Não gostou do que viu.
Então vieram mais um ultimato e o terceiro soco: até 31 de dezembro, a turma que dê um jeito de redesenhar caminhos, trilhas e atalhos, para torná-los mais audaciosos, menos acanhados. Para começar o segundo mandato com o pé afundado no acelerador - e girar pelas pistas do Planalto, nos quatro anos seguintes, em ritmo de Brasil Grande - quer providências que o ajudem a "destravar o país".
Também esse soco deu em nada. As sugestões não vieram. Nem virão. E Lula talvez comece a compreender que certas verdades não podem ser revogadas por nenhum presidente da República, nem mesmo o maior dos estadistas desde as caravelas. Uma delas informa que não existe colheita sem plantio.
Qualquer período de crescimento mais agudo será necessariamente precedido de anos de ajustes nas contas públicas, no aparelho de Estado, no organismo nacional. Sem isso, um soco na mesa é apenas o fundo sonoro da bravata.
A tarja da hipocrisia
Em tese, a tarja que cobre os olhos de homicidas menores de idade, nas fotos publicadas pela imprensa, é a cautela que preserva o futuro de uma criança que acabou de errar. Na prática, essa imposição legal é a falácia que impede a identificação de assassinos que logo voltarão a destruir o futuro de outros inocentes. É também a esperteza que poupa a nação de contemplar o problema nos olhos. Tumores, aqui, são tratados com tarjas. E com a substituição do nome por iniciais.
Só alguns policiais viram o rosto e sabem o nome de
Champinha, apelido do criminoso que, aos 16 anos, seqüestrou e executou os namorados Liana Friedenbach e Felipe Caffé. Liana também tinha 16 quando foi forçada pelo jovem algoz a conhecer o inferno. O Brasil inteiro pôde ver nos jornais o rosto da adolescente.
Champinha teve a privacidade preservada. Logo será devolvido às ruas. Protegido pelo anonimato. Livre para matar.