Artigo - Marco Antonio Rocha |
O Estado de S. Paulo |
13/11/2006 |
Superada a fase do “deixa o homem trabalhar”, e também a do “deixa o homem descansar”, torçamos para que se inaugure, nesta semana, a de “o homem governar”, se ele, de fato, quer governar. O que não deu para perceber ainda, pois o governo está parado como se tivesse mudado de mãos, enquanto alguns petistas pedem para “deixar o homem pensar”. Se alguma vantagem se pode apontar no instituto da reeleição, é a da continuidade governativa por um período mais longo, de 8 anos no nosso caso. Em outros países chega a até 14 anos, uma vez que o mandato é de 7. A alegação é de que assim se podem desenvolver projetos de mais longa maturação, avaliar e corrigir iniciativas que pareciam maravilhosas quando lançadas, mas se revelam problemáticas na prática. Colaboradores e auxiliares podem ser mais bem testados e removidos, ou promovidos, conforme o caso, e o aperfeiçoamento institucional - coisa que exige muita precaução - pode ser mais bem conduzido. Mas essas poucas vantagens, que não chegam a dar um aval definitivo à reeleição, quando cotejadas com suas óbvias desvantagens - entre as quais o fato de o primeiro mandato já começar prejudicado pelas ambições em relação ao segundo -, desaparecem quando, no interlúdio da reeleição até a posse, o reeleito se comporta como se não tivesse governado antes, ou como se se preparasse para governar pela primeira vez. O presidente Lula, por exemplo, está dando a impressão de ter sido apanhado de surpresa pela reeleição e está criando um clima, entre seus assessores diretos, nos ministérios, na imprensa, em toda parte, de desnecessária expectativa e inconveniente incerteza. Na sexta-feira a jornalista Eliane Cantanhêde dizia, na sua coluna na Folha, que o presidente se diverte em animar os postulantes a cargos de ministro para depois desanimá-los, em insinuar quem fica, para depois dizer que não insinuou nada, em mostrar que alguém está “prestigiado” para em seguida deixá-lo na garoa. Sem dúvida, é verdade. É muito gostoso brincar de “reizinho”, como fazia o notável personagem do Jô Soares quando seu programa na TV era de humorismo, e Lula deve estar rindo como poucos brasileiros, nestes dias, podem fazer sem ser recriminados. Todavia, o tempo passa, a continuidade do governo, que ele tanto exortou os brasileiros a preservarem, elegendo-o, se vai esgarçando e os problemas que seu segundo mandato terá de enfrentar, como conseqüência dos que ele armou no primeiro, se vão acumulando. Sem falar naqueles nossos velhos conhecidos, de natureza estratégica, cuja solução é fundamental para que se crie neste país uma firme crença no desenvolvimento, e não no atraso, que são a saúde e a educação - que todo governante brasileiro fala em começar a resolver, mas se agravam a cada final de governo e respondem pela lastimável posição do País no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), da ONU - o mais recente, divulgado na semana passada. Nesse quesito, deixemos de lado a grande maioria dos 63 países do mundo classificados entre os de alto IDH. Entre eles, fiquemos apenas com aqueles aos quais poderíamos, ou gostaríamos, digamos, de estar equiparados. O Brasil não está entre os “63 primeirões”, pois ocupa o 69º lugar. Mas Portugal, por exemplo, está 41 “casas” acima do Brasil naquele ranking. A Argentina, 33 “casas”. O Chile, 31. O Uruguai, 26. Cuba, 19. O México, 16. A Romênia, considerada dos países mais atrasados da Europa, está 9 postos melhor do que nós. É verdade que a velha Rússia está quase junto de nós, apenas 5 “casas” melhor, mas isso deve ter algo que ver com a vastidão gelada do país e com os 70 anos de gestão comunista. Ah, sim, apenas para dar colorido: as Amistosas Ilhas de Tonga ganham do Brasil, em IDH, por 14 “casas”. E quais os fatores que mais nos puxam para baixo nessa lista - que puxam para baixo um país capaz de fabricar, e vender ao mundo, aviões sofisticados, armamentos, veículos de todo tipo, produtos eletrônicos, dotado de um parque industrial tecnicamente avançado e virtualmente auto-suficiente? Isso tudo nos levaria para cima, mas os fatores que neutralizam essas “conquistas” manufatureiras do nosso engenho e arte e nos derrubam na lista são, principalmente, educação e saúde. Isso mesmo, os dois problemas que todo governo, desde o Império, vem prometendo atacar com muito som e fúria, mas, ao fim e ao cabo, produzindo muitíssimo mais som do que fúria. Se cada governo, desde a proclamação da República, tivesse realizado apenas 10% do que prometeu nesses dois quesitos, o Brasil estaria, provavelmente, perto do IDH 1 (o posto mais alto na escala, que vai de 0 a 1, é da Noruega, com IDH 0,965; o do Brasil é 0,792 e o de Níger, último colocado, é 0,311). O presidente Lula propôs-se, no primeiro mandato, a combater a fome no País e, bem ou mal, primeiro com o atrapalhado Fome Zero, mas depois, com o mais bem administrado Bolsa-Família, conseguiu resultado que até seus adversários reconhecem. Mas é um programa predominantemente assistencialista. Agora, ele tem falado em educação principalmente, e saúde. “Vale!”, diria um espanhol. Sem dúvida. Mas aí a coisa é um pouco mais complexa. Aplacar a fome requer distribuição competente de alimentos, com continuidade - basta dinheiro e boa gerência. Educação, além do arrebanhamento de alunos e da construção de escolas - que já não são pouca coisa -, exige professores, bons professores. Requer, portanto, educar crianças e educar gente para bem educar as crianças ao mesmo tempo, pois um dos grandes fracassos do ensino no Brasil é a instrução meia-boca - o brasileiro que aprende a ler, mas não entende o que lê, e que aprende a escrever, mas nunca sabe realmente escrever. E quem não aprende a escrever direito nem aprende a ler direito nunca aprende a pensar direito. Está sempre atrás de quimeras coloridas e barulhentas, como as do carnaval ou as dos palanques dos pretensos líderes das massas. Tudo isso é para dizer que já há um governo pronto, em exercício, funcionando, com boa experiência adquirida, bem ou mal. Então, passado justo o período do “deixa o homem descansar”, a ordem era simplesmente arregaçar as mangas e partir para o que ficou faltando fazer em quatro anos, a ver se se pode completar nos próximos quatro. Mas a Lei Geral da Micro e Pequena Empresa foi empurrada para o ano que vem. O orçamento de 2007 está sendo loteado pelos grileiros de sempre. O próximo salário mínimo virou polêmica antes do tempo. E o presidente espera o Natal e o réveillon. Não parece o mesmo filme de sempre? |
Entrevista:O Estado inteligente
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segunda-feira, novembro 13, 2006
O governo começa depois do réveillon?
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