Entrevista:O Estado inteligente

terça-feira, novembro 21, 2006

Arnaldo Jabor -Renascença ou Idade Média?

Estamos indo para a frente ou para trás?
O tempo atual é Renascença ou Idade Média? Os acontecimentos estão inexplicáveis, pois a barbárie das coisas invadiu o mundo dos homens. O socialismo não deu certo, o capitalismo global não trouxe paz nem progresso, tudo que depende da vontade dos homens e de seus sonhos de controle não chega a um final feliz. As coisas têm vida própria. O mundo está regido por uma tumultuosa marcha de fatos sem causa, de acontecimentos sem origem, de objetos sem sujeitos. Temos acesso a uma informação infinita que não se fecha; temos mais ciência e menos entendimento. As utopias não rolaram; Kafka e Beckett sacaram o lance mais “na mosca” que os ideólogos. “Esperando Godot” é mais profundo e profético que cem anos de esperança social.

Hoje, somos objetos de um “sujeito” imenso, sem nome, sem olho, misterioso, que só entenderemos depois que o tempo tiver se esgotado, quando for tarde demais.

Por que estou com essas angustias filosóficas? Bem... porque no Brasil estamos diante do mesmo dilema: Renascença ou Idade Média, progresso ou regresso? Pensamos “atrás” das coisas. Vivemos uma “modernidade” veloz e falamos um discurso antigo. As idéias não correspondem mais aos fatos. As palavras que eram nosso muro-dearrimo foram esvaziadas de sentido. Por exemplo, uma palavra que era pau-paratodaobra: “futuro”. Que quer dizer hoje? Antes, futuro era um lugar onde chegaríamos um dia, que nos redimiria de nossos sofrimentos no presente. Agora, o termo futuro tem uma conotação incessante, como se já estivéssemos nele, fazendo de nosso “presente” uma época provisória, um mutação angustiante, sempre se desvalorizando. Estamos com saudades do presente, que nos escapa como um passado, enquanto o futuro não pára de “não chegar”.

Outra palavra: “felicidade”. Ser feliz hoje é excluir o mundo em torno, a visão das tragédias.

Ser feliz é uma vivência pelo avesso, pelo “não”. Ser feliz é não ver a miséria, não pensar nas catástrofes, é não se deixar impressionar pelos dramas do país.

Outra palavra: “miséria”. A miséria sempre nos foi útil. Diante dela tínhamos a vantagem da “compaixão”. Era doce sentir pena dos infelizes.

Hoje, diante das soluções impossíveis, diante da ligação imediata que fazemos entre miséria e violência, temos uma espécie de raiva, de irritação aristocrática, “ancien régime”, contra os desgraçados. Ficamos humilhados diante da impotência das soluções. O pobre virou um estraga-prazeres.

Que nome daremos ao desejo de extermínio que começa a brotar nos cérebros reacionários? Exterminar bandidos e excluídos também? Que nome dar às taras de nossos intelectuais incompetentes? São dois tipos básicos que pululam: o gênio inútil e o neocretino. O gênio inútil sabe tudo e não faz nada. O neoidiota age muito, sem saber nada, com sua carinha preocupada de tarefeiro, de burocrata dedicado à “causa”.

E que nome daremos a esse “bucho” informe que a miséria está criando nas periferias? No crime, surge uma mistura de lixo e sangue, uma nova língua de grunhidos, mais além da maldade, uma pura explosão de rancor, o horror, a crueldade como único prazer.

E na criatividade nascente das periferias, como nomear este novo “bem” dentro do “mal”? Não é mais “proletariado” ou “excluídos”.

Surge uma razão dentro da loucura, uma esperança dentro do pesadelo.

E na política? Quem somos, o que somos? Neoliberais, velhos radicais, neoconservadores, progressistas-reacionários, direita de esquerda ou — hoje no poder — o esquerdismo de direita? Que nome daremos à paralisia da política , ao imobilismo das reformas, à absurda incompetência e ao desinteresse pelos dramas urgentes? Que nome daremos ao ânimo do atraso, à alma de nossa estupidez? Que medula, que linfa ancestral energiza os donos do poder, que visgo brasileiro é esse que gruda no chão os empatadores do progresso? Vivemos sob uma pasta feita de egoísmo, preguiça, escravismo. Que nome dar a essa gosma que somos? E a palavra-chave de hoje? Democracia.

Que é isso? Que quer dizer? No Brasil, democracia é lida como esculacho, zona geral. No entanto, a democracia é o único sistema revolucionário a que devemos aspirar, é a única maneira de espatifar o entulho arcaico, fisiológico, corrupto, patrimonialista que o Estado abriga. Só um choque de liberdade e livre empreendimento pode mudar o país. Mas esta evidência é vista com pavor. Como aceitar o óbvio, que o Estado congestionado, moribundo, só tem impedido o crescimento? Isso vai contra os dogmas dos intelectuais. A maioria dos críticos sociais prefere morrer a rever posições.

E, aí, o atraso resiste, bravo, eternizado pela frente única entre a velha direita e a velha esquerda, que continua a agir em nome de uma burra idéia de “progresso”.

E como tudo provoca paralisia, a democracia nos parece lenta, ineficaz. Surge o sonho de uma autoritarismo rápido, que mudaria “tudo isso que está ai”, surge o desejo maluco de se atingir a saúde utopicamente, sem curar os males do paciente. Surge a fome de populismo, voluntarismo, política mágica ou até antidemocrática para o “bem”, como proclama o futuro ditador Chávez, agarrado com paixão por Lula, outro dia, falando mal de nossa imprensa, falando mal dos empresários que constroem o país apesar dele, enquanto financia a ponte venezuelana e o metrô de Caracas, negando as verbas comprometidas ao Rodoanel de São Paulo e à linha amarela do Metrô, enquanto não acha dinheiro para o controle de vôos.

Esse mau exemplo de Lula estimula a saudade por um regime que restaure certezas, crenças como futuro, ordem, nação, identidade, povo. Já está raiando no horizonte do Brasil uma fome de autoritarismo, que é bem mais legível para os paranóicos. Se prevalecer o bom senso, o pragmatismo de Lula, tudo bem. Se ganharem os malucos que o cercam, apertem o cinto que vamos cair, pois não há controle para nosso vôo brasileiro.

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