Entrevista:O Estado inteligente

sábado, novembro 25, 2006

Novos bafômetros travam o carro do motorista bêbado

Soprou, travou

Novos bafômetros impedem
o carro de dar a partida se
o motorista tiver bebido


Ronaldo Soares

Phil Coale/AP
Na ignição (foto) ou na chave: sensores com tolerância zero ao álcool



A história é verídica e tem todos os ingredientes daqueles relatos de superação de drama pessoal que os Estados Unidos tanto apreciam. Em maio de 1988, Courtney, um menino de 1 ano e 9 meses, brincava com os primos na casa da avó quando ouviu a música que anunciava a chegada da carrocinha de sorvete. As crianças foram para a rua, e Courtney acabou atropelado por um motorista bêbado que dirigia a mais de 110 quilômetros por hora. O acidente foi tão violento que o veículo arrastou o corpo de Courtney por quase 50 metros até conseguir parar. A forma encontrada pelo pai do menino, Glynn Birch, de superar a tragédia foi aderir ao grupo Mães contra Motoristas Bêbados (MADD), organização civil formada por parentes de vítimas de acidentes de trânsito atribuídos a consumo de álcool. Atual presidente do MADD, Birch levantou na semana passada a mais ambiciosa bandeira da entidade: banir de uma vez por todas do território americano a mistura de álcool e direção, numa campanha que o grupo compara à da erradicação da poliomielite. E, nessa empreitada, o MADD conta com a tecnologia como principal aliado.

O primeiro passo da campanha é estender a todos os estados americanos o que o Novo México fez no ano passado: tornar obrigatória, no caso de quem já foi flagrado dirigindo embriagado, a instalação de um dispositivo no carro que "lê" a quantidade de álcool no sangue do motorista e trava o veículo se a pessoa tiver bebido além do permitido. Desde que a medida foi adotada no Novo México, o estado registrou redução de 11% no índice de acidentes de trânsito relacionados ao uso de álcool. "Já que não podemos impedir bêbados de sair dirigindo por aí, vamos impedir os carros de circular com motoristas bêbados", diz Birch. O dispositivo funciona como um bafômetro convencional acoplado ao carro, que só dá a partida depois que o motorista faz o teste. Existem também modelos mais eficientes, como o bafômetro passivo, sensor que funciona como um nariz eletrônico embutido na chave ou no painel do carro. Ele capta o ar presente no ambiente e, se identifica presença de álcool acima do permitido para dirigir, trava automaticamente a ignição – é tão sensível que basta abrir uma lata de cerveja dentro do carro para o sistema bloquear o veículo. Em breve, outras parafernálias tecnológicas em estudo vão tornar ainda mais difícil a vida de motoristas que bebem, como sensores no volante ou no câmbio que, pelo suor das mãos do condutor, medem a quantidade de álcool no sangue.

A nova campanha do MADD surgiu a partir da constatação de que a média de mortes no trânsito ligadas ao consumo de álcool nos Estados Unidos não se alterou nos últimos anos – manteve-se na faixa de 13.000 óbitos por ano. "Isso mostra a evolução da lei nos Estados Unidos. O número de mortes causadas por motoristas bêbados ficou estável durante dois, três anos seguidos. A sociedade achou pouco e propôs uma medida ainda mais radical", afirma Ronaldo Laranjeira, coordenador da Unidade de Pesquisa em Álcool e Drogas (Uniad) da Universidade Federal de São Paulo. O MADD promete repetir na atual campanha o tom radical que garantiu o sucesso de suas ações. O grupo ajudou a aumentar de 18 para 21 anos a idade mínima para consumo de álcool e a estabelecer perda ou suspensão automática da carteira, além de prisão, para quem dirige embriagado, entre outras medidas. "Eles são de um ativismo que não se vê por aqui. Monitoram cada político que não abraça as causas deles", diz Laranjeira.

Enquanto nos Estados Unidos a sociedade pressiona por medidas mais rígidas e aposta no uso da tecnologia como ferramenta, no Brasil se oficializou o "olhômetro". Aqui, a Constituição garante ao cidadão o direito de não produzir provas contra si mesmo, e isso livra o motorista embriagado da obrigação de usar o bafômetro. Para contornar essa dificuldade, o Conselho Nacional de Trânsito adotou no início do mês uma medida inusitada. Baixou uma resolução que permite aos agentes de trânsito apontar sinais de embriaguez no auto de infração de quem se recusar a fazer o teste do bafômetro. Vale tudo o que o aguçado instinto do guarda captar, de dificuldade no equilíbrio, olhos vermelhos e fala alterada a ironia, sonolência, agressividade e dispersão. Com base nesses sintomas, o policial pode afirmar que o motorista está sob influência de álcool ou drogas. O infrator fica sujeito a multa, suspensão da carteira e retenção do veículo. "Essa medida não vai ter valor nenhum, porque os critérios são altamente subjetivos. Dirigir embriagado é uma prática que precisa ser coibida, mas se for feito dessa forma estará fadado ao insucesso, é um desserviço à sociedade", diz Fernando Castelo Branco, professor de direito da PUC-SP. Seja como for, não estranhe, motorista, se, na próxima vez em que for parado, o guarda mandá-lo fazer o quatro com as pernas.

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