Lula consegue a façanha de obter apoio do
PMDB inteiro – e mostra como é difícil, para
certos políticos, ficar contra o governo
Otávio Cabral
Fotos Ricardo Stuckert/PR |
O presidente Lula (à dir.), com a cúpula do PMDB no Palácio do Planalto: lista de sete pontos para despistar o fisiologismo |
Com a abertura da nova temporada de caça aos oposicionistas na semana passada, o presidente Lula encheu o balaio. Na caçada mais miúda, arrebanhou o apoio de dois partidos que lhe recusaram o voto na campanha presidencial – o PV e o PDT, que concorreu com o senador Cristovam Buarque. Lula também conseguiu formar um amplo arco de apoio entre os governadores. Das urnas, saiu com cinco governadores petistas e onze aliados. Agora, já atraiu mais quatro governadores. Na sua caçada mais graúda, Lula alcançou um feito notável: capturou o apoio da parte do PMDB que até ontem se dizia oposição e, como já tinha o pedaço governista, agora tem o partido praticamente inteiro ao seu lado. Na quarta-feira passada, depois de cerca de duas horas de reunião com a cúpula oficial do PMDB no Palácio do Planalto, Lula ouviu o que queria. O deputado Michel Temer, presidente do partido, disse que havia uma "amplíssima maioria" a favor do apoio ao governo e prometeu se reunir com o partido, já nesta semana, para oficializar a adesão.
Faz mais de uma década, pelo menos, que o PMDB é um partido cindido em dois: os que apóiam o governo do momento e os que lhe fazem oposição. A divisão consolidou-se já na primeira eleição do presidente Fernando Henrique Cardoso, ocorrida em 1994. Na época, o partido rachou em duas alas – uma apoiando o tucano e outra apoiando Lula. No segundo governo de Fernando Henrique, a divisão dos peemedebistas ampliou-se ainda mais, e assim se manteve até a semana passada. Agora, com a adesão quase unânime do partido, Lula fez uma aliança que a muitos parecia impossível. "Ele conseguiu o que é tentado por todos os presidentes desde a Nova República: unificar o PMDB no apoio a seu governo", diz o deputado Moreira Franco, do Rio de Janeiro, um dos presentes ao encontro que selou a aliança. Até o momento, nove deputados e seis senadores do PMDB, estes atuando sob o comando do senador eleito Jarbas Vasconcelos, de Pernambuco, anunciaram que não vão aderir ao governo. O resto, assim que a decisão for oficializada, estará com Lula: são oitenta deputados, onze senadores e sete governadores.
Lula com Arthur Virgílio, na saída do avião presidencial: o PFL não gostou |
O diálogo entre oposição e governo não é um atentado à democracia ou uma subversão do resultado das urnas. As conversas acontecem nas principais democracias do mundo e são, no mínimo, um gesto de civilidade. Mas há diferenças em relação ao que se faz no Brasil. Os melhores exemplos históricos são aqueles em que as correntes políticas adversárias se entendem nas questões de princípio mantendo suas divergências em questões subalternas. Em 1989, governistas e oposicionistas sentaram-se à mesma mesa na Alemanha quando chegou a hora de discutir a reunificação do país, com a queda do Muro de Berlim. Nos Estados Unidos, em um exemplo mais recente, o republicano George W. Bush dialogou diretamente com a oposição democrata quando planejava a invasão militar do Iraque. Nas democracias mais maduras, as conversas entre governistas e oposicionistas raramente resultam em adesão. No governo do republicano Dwight Einsenhower (1953-1961), os democratas votaram com o presidente quando seu próprio partido lhe negou apoio em projetos de cortes no orçamento militar. Mas os democratas mantiveram sua identidade e derrotaram Eisenhower quando ele quis passar leis inócuas contra a discriminação racial e o apoio financeiro a estudantes pobres.
No Brasil, normalmente se discute adesão – e em torno de cargos. Na quarta-feira, na conversa com a cúpula do PMDB, o governo apresentou uma lista com sete pontos considerados essenciais no segundo mandato de Lula. Na lista, apelidada de "agenda mínima da coalizão", são mencionados temas que deveriam mesmo merecer atenção, como a necessidade de fazer as reformas política e tributária, levar o país a crescer pelo menos 5% ao ano e conter os gastos públicos. O desalentador é que a lista fora rascunhada na véspera, às pressas, e isso sugere que sua elaboração se destinou apenas a neutralizar o conteúdo fisiológico da negociação e dar-lhe um verniz de nobreza e elegância. A pantomima permitiu ao presidente do PMDB, Michel Temer, que até o último dia da campanha presidencial estava no palanque do tucano Geraldo Alckmin, deixar a reunião dizendo o seguinte: "Uma das coisas que o PMDB não deseja é ser apodado de fisiológico. É apoio em troca de projeto".
Alex Silva/AE |
Michel Temer (à esq), no palanque do tucano Geraldo Alckmin na campanha presidencial: agora, ele é Lula |
À noite, um grupo de dirigentes peemedebistas, reunido num churrasco na casa do aniversariante Paulo Lustosa, presidente da Fundação Nacional de Saúde, comemorava alegremente a nova aliança – e só se falou de cargos. "Aí vou eu, TCU", brindava o senador Luiz Otávio, eterno candidato a membro do Tribunal de Contas da União. O trato do governo com os novos aliados é cristalino: entrega os ministérios correspondentes ao tamanho do partido e, em troca, quer pelo menos 80% dos votos das bancadas dos aliados – PV, PDT e, sobretudo, PMDB. Com o saldo de sua caçada aos oposicionistas, Lula já ampliou sua base de apoio para o segundo mandato para cerca de 340 deputados, superando a maioria qualificada. No Senado, a situação é um pouco mais delicada: o governo passou de 37 para 42 senadores, obtendo apenas maioria simples.
AP |
O presidente americano Dwight Eisenhower: democratas ajudaram, mas não aderiram |