Entrevista:O Estado inteligente

sexta-feira, novembro 24, 2006

O deboche se repete


editorial
O Estado de S. Paulo
24/11/2006

Qualquer semelhança entre os depoimentos prestados nos últimos dias à CPI dos Sanguessugas pelos articuladores e operadores da compra do dossiê antitucano - os petistas Jorge Lorenzetti, Expedito Veloso e Oswaldo Bargas - e os depoimentos dos Delúbios e Silvinhos à CPI do Mensalão, no ano passado, não é mera coincidência. Hoje como ontem, a companheirada protagoniza o mesmo espetáculo de fingido alopramento, com as mesmas jogadas ensaiadas, as mesmas negaças, as mesmas evasivas, o mesmo cinismo - até as mesmas agressões ao idioma, para combinar com as mesmas agressões aos fatos. “O assunto sobre o dinheiro eram conversas monólogas”, disse, por exemplo, Veloso, ex-diretor de Gestão e Risco do Banco do Brasil.

Assim como Lorenzetti, Bargas e ainda o apanhado em flagrante Gedimar Passos, Veloso trabalhava no comitê da campanha da reeleição, em Brasília. “Eu apenas ouvia o que diziam. Não poderia impedir que eles falassem de dinheiro”, embromou. “Eles” eram os membros da notória família Vedoin, de Cuiabá, com os quais a turma negociava o acesso a documentos supostamente devastadores. Os papéis vinculariam o ex-ministro da Saúde José Serra e o seu sucessor Barjas Negri aos mafiosos dos quais centenas de prefeitos compraram, com recursos federais, ambulâncias superfaturadas. Comprovariam que a Planam, a firma da família, quitou, por intermédio de Abel Pereira, um empresário de Piracicaba ligado a Barjas, dívidas da campanha presidencial de Serra, em 2002.

“Eu, como bancário, fui (a Cuiabá) para conferir a autenticidade dos documentos”, alegou Veloso, dando-se fumaças de perito. Estranhamente, ele não disse uma única palavra sobre o atual governador eleito de São Paulo quando foi ouvido pela Polícia Federal (PF) e o Ministério Público - dias depois que o ex-policial Gedimar e o arrecadador de recursos para o PT em Mato Grosso, Valdebran Padilha, foram presos em um hotel paulistano com R$ 1,75 milhão, em reais e dólares. “É óbvio que isso é uma mentira”, reagiu Serra, que se referiu ao acusador como “um delinqüente que está sendo investigado pela polícia”. O cúmulo da desfaçatez dos traficantes do dossiê foi negar que tivessem alguma intenção de comprá-lo com dinheiro. A contrapartida consistiria em prestar a Vedoin pai e filho assistência jurídica nos tribunais.

Da bolada apreendida pela PF, da qual R$ 1 milhão foi levado a Gedimar e Valdebran, com toda probabilidade, por Hamilton Lacerda, então assessor do candidato petista aos Bandeirantes, senador Aloizio Mercadante, os debochados nada saberiam: nem de onde teria vindo nem sequer que existisse. Há uma lógica nessa sem-vergonhice. O dinheiro, por suas origens necessariamente ilícitas, é tudo que pode hospedá-los no Código Penal. Buscar e revelar informações contra um adversário político não é crime. Tanto que, dos oito delitos tipificados pela Polícia Federal no caso, seis têm relação direta com o seu aspecto monetário, como, por exemplo, crime contra o sistema financeiro, fraude cambial e lavagem de dinheiro.

Enquanto não se completa o rastreamento do percurso dos reais e dólares, o que se tem são indícios veementes de sua circulação no fatídico 13 de setembro, quando a transação se consumaria e quando os Vedoins davam à revista IstoÉ a entrevista contra os tucanos.

Os indícios resultam do cruzamento das trocas de telefonemas na manhã daquele dia, graças às quebras de sigilo autorizadas pela Justiça, com as imagens do circuito interno do hotel onde estava a dupla Gedimar-Valdebran. Elas mostram Hamilton Lacerda chegando às 8:51 com uma grande bolsa preta - que já não carregaria ao sair, às 9:20.

Entre 7:01 e 8:50, Bargas, Gedimar, Lacerda, Lorenzetti e Veloso já se haviam ligado ao todo 29 vezes. Na hora e meia seguinte, Lacerda chamou Lorenzetti duas vezes e Gedimar, uma vez; Veloso falou duas vezes com Lorenzetti e uma vez com Bargas; Lorenzetti tocou uma vez para Gedimar, que se comunicou quatro vezes com Veloso. Conclui o sub-relator da CPI, o deputado tucano Carlos Sampaio: “São dados incontestáveis de que os petistas sabiam que a operação envolvia dinheiro e todos foram informados de que o primeiro milhão havia sido entregue como combinado.”

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