O Globo 24/11/2006
A equipe econômica começa a vasculhar as gavetas atrás de idéias esquecidas por lá para formar um pacote de fim de ano que melhore as contas e aumente o otimismo em relação ao ano seguinte. Quando aconteceu isso? Ontem e várias outras vezes, em vários governos. Pacotes fiscais de fim de ano, com uma pilha de soluções, são um clássico da temporada. O mais famoso ficou conhecido como o Pacote 51.
Ontem o governo começou a divulgar o pacote da vez. A única peculiaridade é que ele parece estar sendo anunciado antes de ser feito, tal a sensação de improviso que o anúncio passou. Depois que o ministro falou das medidas numa entrevista no Palácio do Planalto, o Ministério da Fazenda não tinha a lista com as medidas, os empresários não sabiam comentar e até confessavam que não tinham entendido direito. Os que podem vir a ser beneficiados com redução de impostos ou incentivos, como o setor de bens de capital e o setor da construção residencial, elogiaram, mas confessavam não saber exatamente em que consistiam as medidas.
- Está tudo muito incipiente - comentou um empresário.
Uma das propostas, disse o ministro Guido Mantega, é a criação de um fundo para subsidiar a população de baixa renda na compra da casa própria. Teria no total de R$10 bilhões a 15 bilhões. Subsídio é para ser dado para os pobres mesmo, e na compra da casa própria é uma boa área para a concessão dessa ajuda, mas esse é um fundo do fundo, porque o dinheiro sairá do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço, cujos recursos já financiam exatamente a casa própria.
Um integrante do Conselho do FGTS contou que já existem programas para financiar as faixas de renda mais baixa na compra da casa; mesmo assim, ele não conseguiu entender de onde sairia tanto dinheiro. Além disso, lembrou que subsídio para a baixa renda tem que ser a fundo perdido. O FGTS não pode perder dinheiro. A propósito, o dinheiro pertence aos trabalhadores.
Ficou claro que os anúncios de ontem eram só o começo, e que mais medidas estão sendo estudadas. Deve ser, pois só tinha notícia de subsídio, aumento de desoneração, ou seja, mais gastos. E o desafio é compor um conjunto. Faltaram as medidas impopulares, que sempre saem no meio desses pacotes. O que foi anunciado não é suficiente nem para crescer os 5%, nem para equilibrar as contas ameaçadas pela expansão recente de gastos.
Não há mais espaço para se acreditar que um conjunto de medidas costuradas pelas equipes dos ministérios em reuniões apressadas traga alguma solução, seja para o equilíbrio das contas públicas, seja para a retomada do crescimento. O país já sabe que as nossas dificuldades têm natureza mais complexa e que não são resolvidas por um pacote do tipo 51.
Esse foi o nome do pacote do fim de 1997. A economia não havia crescido naquele ano, a crise cambial colecionava vítimas na Ásia e ameaçava vir para o Brasil num ano eleitoral. Foram 51 idéias amarradas. O objetivo era dar um choque de confiança na economia, cortar 2,5% do PIB de despesas e retirar da frente o problema fiscal. Elas foram aprovadas, e não produziram o efeito desejado: o país não cresceu, não acabou o problema fiscal, o choque de confiança sumiu por pouco tempo para voltar logo depois em forma de ataques especulativos contra a moeda.
Logo após o anúncio da medida, fui a Nova York conversar com economistas brasileiros e americanos, e todos estavam entusiasmados. O otimismo durou algumas semanas. O ano de 98 foi de crise cambial; foi feito um acordo com o FMI com um megaempréstimo para resolver o problema. Não resolveu e, em 1999, a moeda foi desvalorizada fortemente.
A vantagem agora é que o país atravessou uma eleição sem crise cambial. O ajuste, iniciado com a adoção do câmbio flutuante e da meta de inflação, o crescimento da economia e do comércio mundiais, a conquista dos polpudos superávits deram ao Brasil uma eleição sem essas turbulências.
Mas estamos, de novo, como em vários outros finais de ano, discutindo um pacote salvador. Um dos problemas é a escassez de boas idéias. O país está saindo de uma eleição de propostas medíocres. De um lado, o presidente Lula simplificou o que era complexo para reforçar o mote de que bastava deixá-lo trabalhar que tudo se resolveria, e o candidato da oposição Geraldo Alckmin não apresentou alternativas consistentes além do que ele chamava genericamente de "choque de gestão". Os dois principais partidos estão num deserto de propostas.
A frase dita pelo presidente, em entrevista aos colunistas do GLOBO, de que "o país está preparado para crescer sem reformas e sem corte de gastos", contraria três vezes a realidade. Tem que ser lida pelo seu avesso: o país não está preparado para crescer se não fizer as reformas, nem cortar as despesas. Até hoje, nada foi feito nesses incontáveis pacotes de fim de ano que realmente atacasse os problemas. Tudo o que durou foi elaborado com mais cuidado, como, por exemplo, a Lei de Responsabilidade Fiscal. Quando o governo anunciava, na campanha, planos mirabolantes e apressados, parecia que era coisa de campanha, mas, pelo visto, é um estilo de governar.
Entrevista:O Estado inteligente
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