Entrevista:O Estado inteligente

quinta-feira, novembro 30, 2006

Míriam Leitão - Erradicar o mal



Panorama Econômico
O Globo
30/11/2006

O Congresso americano acusou a siderurgia brasileira de trabalho escravo, e a defesa vem de onde não se esperava: a Organização Internacional do Trabalho atesta que a siderurgia brasileira está fazendo um trabalho importante e sério contra essa chaga. "Há setores sobre os quais não podemos dizer isso, mas a siderurgia tem combatido fortemente", diz Patricia Audi, coordenadora do grupo contra o trabalho escravo da OIT no Brasil.

Se for inocente quanto ao trabalho escravo, dificilmente a siderurgia brasileira se inocenta em outra acusação que sempre pesa contra ela: a de uso de madeira de desmatamento ilegal nos fornos das carvoarias que produzem a matéria-prima para os guseiros que fornecem para as laminadoras.

A denúncia de trabalho escravo apareceu nos jornais esta semana depois que, no Congresso americano, dois parlamentares disseram que fariam uma investigação para criar barreiras ao aço brasileiro. Ou seja, os erros do passado estão virando barreira comercial.

- Que isso sirva de alerta para outros setores brasileiros que têm sido bem menos rigorosos no combate ao problema - diz Patricia Audi.

Pelas contas da OIT, a maior parte dos flagrantes de trabalhadores em condição degradante, servidão por dívida ou condições desumanas é encontrada na produção de carne:

- Cerca de 80% são na pecuária de corte; 10% na produção de soja e algodão, 3% na cana-de-açúcar, 3% no café, 1% em pimenta e 3% em outras atividades em que pode haver algum caso ligado a siderúrgica, mas há alguns anos o setor iniciou um trabalho sério fiscalizado pelo Instituto Carvão Cidadão - comenta Patricia Audi.

Diante desse dramático assunto, é preciso registrar algumas coisas: primeiro, o problema, para a nossa vergonha, existe no Brasil, tanto que, nos últimos dez anos, 20 mil brasileiros foram libertados pelas equipes do Ministério do Trabalho e algumas pessoas notórias da sociedade brasileira eram donas das fazendas onde essa prática inaceitável era rotina; segundo, o Brasil tem sido considerado pela OIT exemplo de esforço para erradicar o mal, fato, inclusive, confirmado pelo diretor da OIT nos EUA Armand Pereira, mas ainda está longe da solução; terceiro, uma grande rede foi montada para investigar na cadeia produtiva brasileira os fornecedores que usam trabalho escravo e que lavam o crime ao longo das várias etapas de produção e comercialização. Na frente dessa rede, atuam a OIT, o Ministério do Trabalho, o Instituto Ethos e a ONG Repórter Brasil. Essa investigação mostrou que as principais redes de supermercados, grandes indústrias e estatais estavam no final da ponta, mesmo sem saber.

O primeiro acordo para acabar com o crime ocorreu, conta Patricia, na Associação das Siderúrgicas de Carajás, que já fez 945 fiscalizações nas carvoarias que acabaram cancelando 253 contratos de fornecimento de carvão por não cumprirem a legislação trabalhista.

André Câncio, que dirige o Carvão Cidadão, conta que o instituto tem feito um trabalho de fiscalização, em condições difíceis, de quatro mil fornecedores no Pará e no Maranhão. O trabalho está muito mais adiantado no Maranhão, onde 90% dos trabalhadores do setor têm carteira assinada, segundo ele. Muito mais difícil é o Pará.

- Em dois anos, o instituto auditou em torno de 50% das áreas, que no total são 2 milhões de quilômetros quadrados - conta Câncio.

Por aí se vê que é muito difícil garantir que não há irregularidade, mas é reconfortante saber que os empresários estão determinados a erradicar a prática criminosa.

As equipes têm fiscal, médico, auditor; levam questionários para serem preenchidos; tiram fotos para garantir que não haja trabalho degradante ou qualquer tipo de proibição de que o trabalhador saia do local. Mesmo assim, há o risco de quem for descredenciado acabar vendendo para um que está regularizado. Para evitar isso, eles passarão a olhar também a capacidade de produção de cada fornecedor.

- O que a gente vê é que nem sempre a preocupação com a cadeia produtiva está no primeiro plano das empresas. Essas siderúrgicas do instituto correspondem a 50% da produção de ferro-gusa que é exportada pelo país - diz Câncio.

Por outro lado, eles mesmos reconhecem que as carvoarias são móveis, vão mudando, conforme a "fronteira agrícola", um eufemismo para área de desmatamento; em geral, ilegal e em terra grilada. Algumas das siderúrgicas têm floresta própria, mas nem todas, explica. Quando a pergunta é sobre desmatamento ilegal, Câncio diz:

- O instituto Carvão Cidadão não abrange o meio ambiente, não entra neste aspecto, não está na nossa esfera. Estamos concentrados na questão trabalhista.

O problema é que os crimes sempre andaram juntos. A siderurgia brasileira terá de provar nos Estados Unidos que não usa trabalho escravo e que até o combate, sendo aliada da OIT. Dificilmente terá capacidade de provar, no entanto, que não usa madeira de desmatamento. Como são crimes que andam juntos, combatendo-se um pode coibir o outro. Mesmo assim, é hora da mobilização para um pacto antidesmatamento da mesma forma e abrangência com que se organizou o pacto antitrabalho escravo.

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