Lula e as zelites
I NOUTRO DIA, antes da glorificação dos controladores de vôo1, eu estava escarrapachado num magnífico avião2, já na pista de decolagem, tomando meu uisquezinho maneiro, sem aumento de preço (pudera!), prelibando (!) minha chegada a Katmandu, enquanto ouvia o bruaá em volta, quando alguém (o comissário?) falou ao microfone:
"Os senhores passageiros vão desculpar o atraso de nosso vôo por 35 minutos, mas, como o comandante Paulo Schneider foi atacado por um mal-estar súbito, terá que ser substituído por um nosso companheiro do PT, Valdécio Silva, com grande experiência, 30 anos como motorista de ônibus no interior de Campinas".
Vocês podem não acreditar, mas, em menos tempo do que o diabo esfrega um olho, o avião estava completamente vazio.
É por isso que não me canso de dizer, Lula tem toda a razão quando esculhamba as zelites.
1. Ninguém sabia que existiam.
2. Avião é aqui embaixo. Lá em cima, ele muda de nome na voz do comandante, que o trata com todo o respeito – aeronave. Ele sabe com que está lidando. Ah, antes que eu me esqueça – antigamente era aeroplano.
II NOUTRO DIA, logo depois da vitória esmagadora do grande líder dos povos, que vocês sancionaram como tal, acompanhei um amigo que ia se submeter a uma operação no cérebro, num hospital-modelo aqui do Rio, ali na Praça da Cruz Vermelha. Toda a velha, serôdia, administração, muitos quadros administrativos não reciclados, e até mesmo cirurgiões, tudo gente de direita, tinham sido afastados e substituídos por gente mais ágil, mais capaz, perfeitamente integrada nos novos tempos. Os companheiros.
O hospital estava em festa. Não tugi nem mugi, entusiasmado como todo mundo. Todos sabem que sou fácil de levar no bico. Mas meu amigo, grã-fino da pesada, não ia nessa – mesmo porque a cabeça era a dele. Perguntou à administradora: "O doutor Helio Rufino já chegou?". "Não, senhor, ele não vem mais. Foi afastado ontem. Mas o senhor pode ficar tranqüilo. Já está tudo pronto, o senhor vai ser operado pelo nosso companheiro Genoino Gushiken Silva, que tem grande experiência no tratamento de feridas e perebas na favela de Murici-do-Oco, em Garanhuns."
Meu amigo não se deixou impressionar pelo currículo do novo cirurgião e me ordenou, seco e sucinto: "Vamo nessa!".
Fui. Quase correndo, acompanhei-o para ser operado nos Steits. Aliás, viajamos no mesmo avião em que viajava, com objetivo semelhante, o vice-presidente da República.
Lula tem toda a razão, não há nada mais antinacionalista do que nossas zelites.
III NOUTRO DIA eu estava lá no Cirque du Soleil, esperando começar o espetáculo, sentado naquele pedaço a que só vai mesmo a zelite das zelites (até tem nome em francês, tapiruge, que minha companheira, que sabe franco francês, logo me traduziu: "O tapir ruge"). Luzes para cá, luzes pra lá, correria pra todo lado, até que um palhaço parou no proscênio e, em mímica perfeita, que todo mundo entendeu, comunicou: "Respeitável público, o que vão (em mímica não dá pra acertar a concordância) assistir agora é mostrado a primeira vez pelo Cirque du Soleil. Atendendo a uma ordem do Senhor Presidente da Bolívia, perdão, Brasil, dez de nossos saltimbancos (não confundir com assaltantes do Erário), canadenses, americanos, ingleses, italianos, húngaros e checos, serão substituídos por companheiros da Administração Federal".
Vocês sabem de uma coisa? A zelite inteira nem piscou, nem se mexeu. Nem tinha por que piscar ou se mexer. A alegria do palhaço não é ver o circo pegar fogo?
Pois é, a zelite sabe das coisas. E uma das coisas que ela sabe é que andar no arame ninguém falsifica. Nem faz mais ou menos.
Ficou esperando a companheirada toda se esborrachar. E ainda saiu rindo pros bares e restaurantes dizendo que a noite foi muito divertida, e que o Cirque é o máximo.
Lula, como sempre, está cheio de razão. A zelite é masoquista.