Entrevista:O Estado inteligente

quarta-feira, novembro 29, 2006

Miriam Leitão Forno de pizza

Jack Abramoff, o lobista que esteve no centro de um momentoso escândalo político em Washington, começou a cumprir pena de cinco anos e dez meses de prisão. Ele ainda responde a outros processos por fraude, evasão fiscal e tentativa de suborno de funcionários públicos, mesmo tendo cooperado com a Justiça na elucidação de uma rede de crimes.

Nesses novos casos, pelos quais ainda está sendo julgado, ele pode ser condenado a penas maiores, de até dez anos, mas terá sorte se a Justiça acatar o pedido de que cumpra a pena menor por ter cooperado. O caso Abramoff, que envolve diversos ilícitos, inclusive financiamento ilegal de campanha, tem sido considerado emblemático e um dos responsáveis pela derrota republicana nas últimas eleições.

Ao todo, oito pessoas foram condenadas ou consideradas culpadas no seu esquema de corrupção, incluindo aí o ex-deputado republicado por Ohio Robert Ney e dois assessores de Abramoff. Outro indiciado foi o ex-líder do governo na Câmara, o ex-deputado republicano por Texas, Tom DeLay. O conselheiro político do presidente George Bush, Karl Rove, disse em entrevistas que calcula que, das 28 cadeiras perdidas por republicanos, dez foram perdidas por envolvimento em escândalos e seis outros foram derrotados por não reagirem rapidamente a esta questão, quando ela surgiu na campanha.

O Brasil se distancia de países em que há corrupção não pelas denúncias registradas, mas porque não há punição. Houve um tempo em que o Brasil se diferenciava do mundo pela taxa de inflação. O mundo inteiro com taxas baixas e o Brasil com aqueles percentuais extravagantes.

Ainda se diferencia do mundo nos juros, mas eles estão declinando, e chegará o momento em que, na economia, o Brasil será como qualquer país. Mas o que está subindo aqui, em direção contrária à de outros países, é a taxa de cinismo dos envolvidos em denúncias de corrupção.

É o que pensa o deputado Raul Jungmann, vice-presidente da CPI dos Sanguessugas.

A CPI, que trabalhou tão bem, pode ser encerrada antes que tenha chegado a qualquer esclarecimento sobre seu caso mais espantoso: o da descoberta de um grupo de funcionários graduados do escritório de campanha envolvidos com a compra de um dossiê contra o partido adversário.

— Pelo regimento do Senado, não pode haver prorrogação do funcionamento para o período do recesso; pelo regimento da Câmara, pode. Como é uma comissão mista, quem vai decidir é a mesa do Senado — diz Jungmann.

Na semana passada, alguns dos envolvidos no caso do dossiê foram depor e só desconversaram. Jorge Lorenzetti, que montou a equipe de “inteligência” com quem foi apanhado o dinheiro, disse na CPI que tinha proibido qualquer transação em dinheiro. Valdebran Padilha afirmou que só estava ali por amizade. Osvaldo Bargas disse que estava envolvido nisso apenas para assegurar que os documentos fossem entregues à Justiça. A propósito, ele foi recrutado para ir para o escritório de campanha para fazer o programa do partido na área trabalhista, mas estava trabalhando na tal “inteligência”.

Expedito Veloso, ex-diretor do Banco do Brasil, disse na CPI que só estava lá para atestar, como especialista bancário, que tudo estava sendo feito corretamente.

Todas as desculpas têm uma característica comum: partem do pressuposto de que a CPI e o distinto público são idiotas. Sobre o dinheiro, ninguém tem nada a dizer.

Ontem, Gedimar Passos, que na semana passada alegou doença para não comparecer, ficou na cômoda posição de não esclarecer a origem do dinheiro. Desde o começo da apuração, diz que recebeu o dinheiro num estacionamento de um tal André, que ele nunca tinha visto, nem sabe quem é. Terá sido certamente a única pessoa no mundo que recebe R$ 1,7 milhão de uma pessoa que não conhece, num estacionamento.

Hamilton Lacerda, que chegou ao hotel com a mala, tem dito que ela continha apenas recibos de campanha e que — coincidência! — justamente naquele dia estava lá no hotel para entregar os recibos.

Não é só no Brasil que acontecem casos de corrupção, mas certamente é só aqui que os envolvidos de forma tão inegável combinam uma versão tão inverossímil e a repetem diante de uma comissão do Congresso.

Ontem, mais um exemplo eloqüente da pizza: mais três absolvições no Conselho de Ética.

Tudo o que a CPI já sabe é que está diante de uma rede de crimes: — A ordem de “siga o dinheiro” nos levou a uma rede sofistica e pulverizada de contribuintes, o que torna difícil o rastreamento. O dinheiro veio de várias fontes: corretoras, jogo do bicho.

Está claro que o esquema era paulista, mas nacional ao mesmo tempo. Fica claro que há uma organização criminosa — afirma Jungmann.

O deputado explica que atualmente, inexplicavelmente, tanto o PT quanto o PSDB contribuem para que a comissão não tenha quórum.

— Ficamos Gabeira, Heloísa Helena e eu tentando esclarecer os fatos — diz.

Conta também outro absurdo: até hoje, a Polícia Federal não enviou à CPI as cópias das fitas de vídeo da segurança do hotel Ibis, que poderia trazer informações preciosas para desvendar os fatos.

Por muito menos, no Peru, caiu o governo Fujimori; eminência parda do governo, Vladimir Montesinos foi preso, além de outras 120 pessoas, depois que uma fita em que Montesinos pagava a um deputado para entrar na base do governo foi divulgada. Aqui, fatos estarrecedores são simplesmente esquecidos; envolvidos dão versões inaceitáveis diante do Congresso brasileiro; e a opinião pública é tratada com desrespeito.

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