Caso de polícia, não de ONG |
Artigo - Rolf Kuntz |
O Estado de S. Paulo |
30/11/2006 |
Está no Código Penal: reclusão de dois a oito anos e multa, além da pena correspondente à violência, para quem “reduzir alguém à condição análoga à de escravo”. A pena é aumentada de metade se o crime é cometido contra criança ou adolescente. Quantas pessoas foram presas nos últimos dois anos pela prática desse crime? Quantas foram condenadas? Quantas estão sendo processadas? Não há resposta a essas perguntas no texto divulgado pelo Itamaraty, em seu site, sob o título Trabalho forçado no Brasil. Com essa nota, o governo brasileiro reagiu à “alegada intenção de congressistas norte-americanos de investigar denúncias de que parte do carvão vegetal proveniente da Amazônia, utilizado na fabricação do ferro-gusa (...), seria produzido com trabalho forçado”. O reaparecimento do assunto, no Congresso americano, é conseqüência da vitória democrata nas últimas eleições. Tendo conquistado o controle do Congresso, eles darão destaque à sua conhecida agenda protecionista e para isso deverão recorrer a alegações de todos os tipos. É fácil acusar os brasileiros de usar trabalho escravo, de explorar mão-de-obra infantil e de promover a devastação de florestas. O Brasil é vulnerável a todas essas acusações, mesmo que a poluição promovida pelos americanos seja muito maior e que o trabalho forçado seja encontrável também nas economias mais desenvolvidas. Mas nenhum desses contra-argumentos pode justificar a mínima hesitação quando se trata de combater aqueles crimes. A nota do Itamaraty admite o problema e cita o reconhecimento, pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), do esforço do governo brasileiro para eliminar o trabalho forçado. Menciona, além disso, o lançamento, em 2005, do Pacto Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo, com a participação do Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social, da ONG Repórter Brasil e da própria OIT. O movimento inclui o compromisso das siderúrgicas de não comprar carvão vegetal produzido com mão-de-obra forçada. Nos últimos dois anos, segundo a nota, o Instituto Carvão Cidadão (ICC), criado pelo acordo, fiscalizou a produção de carvão e contribuiu para o descredenciamento de 945 fornecedores. Tudo isso é muito bom, tudo isso é muito bonito, mas trabalho forçado, no Brasil, é crime. A polícia tem libertado trabalhadores escravos em várias partes do País, mas há pouca informação sobre prisões, processos e condenações. Jornais, tevês e rádios muito raramente noticiam as ações policiais e quase nunca se vê a cara de algum criminoso capturado pelas autoridades. Ou as prisões têm sido muito raras ou as autoridades consideram esses casos muito menos interessantes, para a opinião pública, do que as prisões de executivos acusados de sonegação ou de contrabando. Mas o Código Penal não deixa dúvida: trabalho forçado é crime bem mais grave que as fraudes fiscais atribuídas a dirigentes de lojas de luxo ou de indústrias de bebidas. Só esses dirigentes, no entanto, são mostrados pelas tevês, algemados e escoltados por equipes policiais. A exibição, admita-se como hipótese, deve servir para mostrar a eficiência da repressão e desencorajar a prática do crime. Mas por que não dos crimes mais graves? A nota do Itamaraty menciona um “tratamento ostensivo e consciente da questão pelo governo brasileiro”. Mas esse tratamento não é ostensivo. Além do mais, a cooperação de entidades privadas, embora desejável, não basta para resolver o problema. Reprimir o crime - e reprimi-lo com a aplicação de penas - é função primordial do Estado e responsabilidade intransferível. A fiscalização por uma entidade como o ICC e o compromisso dos empresários da siderurgia não podem substituir a intervenção vigorosa e eficiente do poder público. O descredenciamento de 945 fornecedores de carvão não é resposta suficiente. Esse castigo não é mais severo que a cassação de registro de postos de gasolina por venda de combustível adulterado. Mas o delito é imensamente mais grave. Quantos foram presos? Se o governo deseja mostrar seu empenho no combate ao trabalho forçado, tem de fazer muito mais para fornecer uma resposta convincente. Se há de fato uma ação repressiva, é preciso mostrá-la. Se não há repressão em grau suficiente, é indispensável intensificar o trabalho. Não tem sentido ficar na dependência da boa vontade de grupos privados. Um governo pode privatizar muita coisa, mas não a responsabilidade pelo combate ao crime. |
Entrevista:O Estado inteligente
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quinta-feira, novembro 30, 2006
Caso de polícia, não de ONG
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