O Estado de S. Paulo |
23/11/2006 |
Enquanto em Brasília os membros da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) se perdem em debates sem fim sobre eventuais malefícios à saúde humana e ao ambiente causados pelos produtos transgênicos, as plantações vão se espalhando pelo País e se tornam fatos consumados. A burocracia sempre atrapalhou e ainda atrapalha. Mas no caso dos transgênicos o principal entrave são as divergências internas sobre o assunto, em geral mais ideológicas do que técnicas. A CTNBio tem defeitos de DNA. É um organismo público com várias funções. Uma delas é autorizar pesquisas, plantio e comercialização de produtos que envolvam engenharia genética. Um dos defeitos é o gigantismo. É constituída de 27 membros, entre cientistas, representantes do governo e do setor empresarial - cada um com seus interesses próprios e idiossincrasias. Produtos que os Estados Unidos colhem e consomem há dez anos, por aqui continuam sem liberação. As pesquisas, único modo de se comprovar a existência de problemas, são barradas ou postergadas indefinidamente. Francisco Aragão, pesquisador da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia, se queixa, desolado: "Na Argentina o mesmo processo não leva mais que três meses e, nos Estados Unidos, o início de determinadas pesquisas precisa apenas ser comunicado às autoridades. Mas nós não saímos do lugar e isso não significa que a segurança aqui seja maior. Ao contrário, a falta de decisão, deixa cada vez mais espaço para cultivos clandestinos." É também o que emperra o desenvolvimento de produtos pelos laboratórios nacionais. Enquanto isso, as grandes corporações internacionais lançam novas variedades. Elas acusam o agricultor brasileiro de pirataria, na medida em que usa sementes contrabandeadas pelas quais não paga royalties. Mas não dá para negar que, apesar disso, o produto estrangeiro vai tomando mercado pelo qual o produto nacional não consegue brigar, simplesmente porque não sai da fase de projeto. Ontem e hoje a CTNBio se reuniu e um dos principais assuntos debatidos foi a liberação ou não do milho Liberty Link, tolerante ao herbicida glufosinato de amônio. Embora o pedido de liberação comercial tenha sido encaminhado em 1998, a discussão sobre o tema só entrou em pauta agora. A Lei de Biossegurança, que estabelece normas de fiscalização e segurança de atividades relacionadas a transgênicos, foi sancionada pelo presidente Lula em março do ano passado, depois de dois anos de discussões no Congresso Nacional. Mas nem a delegação de poderes especiais à CTNBio equacionou os problemas. As divergências vêm desde 1998, ano em que atestou a segurança da soja Roundup Ready (desenvolvida pela americana Monsanto), resistente ao herbicida glifosato, que permite a eliminação de ervas daninhas, só com aplicação desse herbicida. A redução de custos com diminuição do uso de defensivos é, em média, de 12%. Além disso, essa variedade de soja reduz as perdas de grãos e aplicação de maquinária. É argumento forte demais, que leva os agricultores a correr os riscos de enfrentar os fiscais federais. Em 2003, o governo autorizou o plantio e a comercialização do produto. O Brasil possui hoje a terceira maior área cultivada com transgênicos. São 9,4 milhões de hectares de soja (a única variedade oficialmente contabilizada até agora) e perde apenas para Estados Unidos (49,8 milhões de hectares) e Argentina (17,1 milhões de hectares). Mas poderia estar em posição melhor caso as encrencas fossem dirimidas. "Enquanto passamos meses a fio discutindo, perdemos mercado e competitividade para eles", lamenta-se José Carlos Hausknecht, economista da MB Associados. A autorização para plantio de algodão Bollgard, resistente a insetos, foi concedida em março do ano passado, mas só para cultivo na safra 2006/2007, que está sendo plantada agora. Mas há mais do que indícios de que cultivos irregulares existiam antes da autorização. Como essas plantações são menos extensas do que as de soja e mais geograficamente concentradas, a fiscalização foi mais firme e terminou em apreensão, como aconteceu em julho deste ano, na Bahia e em Goiás. Pesquisa do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea), da Esalq-USP concluiu que a redução de custos com o cultivo de algodão transgênico é de 2%. Parece pouco? O pesquisador Lucílio Alves explica seu cultivo economiza R$ 80 por hectare ou R$ 240 mil numa área de 3 mil hectares, mais do que suficiente para levar o agricultor a enfrentar os riscos. |
Entrevista:O Estado inteligente
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quinta-feira, novembro 23, 2006
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