editorial |
O Estado de S. Paulo |
10/11/2006 |
Uma das expressões mais batidas do léxico político brasileiro é a "vitória da democracia", com a qual autoridades, candidatos e comentaristas celebram cada jornada eleitoral bem-sucedida. Aplicada à eleição de terça-feira nos Estados Unidos, porém, a expressão está longe de ser um clichê. Descreve uma conquista - a condenação pelo voto popular, contra ventos e marés, de 12 anos de deliberado empenho do extremismo conservador em refundar, desfigurando-a por uma variedade de meios execráveis, a mais autêntica democracia do planeta. A negação da América liberal começou com a reação ultramontana à turbulência cultural e política que sacudiu o país nos anos 1960 e 1970: o descarte abrupto de atitudes, crenças e padrões convencionais de comportamento. Eram os dias do movimento hippie, do feminismo, da droga, da revolução dos estudantes, da luta pelos direitos civis, da eleição de John Kennedy, dos assassinatos dele, do seu irmão Bob e do pastor Martin Luther King. E, o que mais enfureceu a direita, dos protestos afinal avassaladores contra a Guerra do Vietnã. A princípio sem alarde, mas sempre com paciência e disciplina exemplares, a paradoxalmente chamada América Vermelha - nos EUA, azul é a cor dos liberais, que são os social-democratas americanos - pôs-se a construir um formidável patrimônio de idéias, bases políticas, espaços no debate público e, naturalmente, dólares, para resgatar e conduzir à hegemonia a direita republicana, reduzida a cacos desde a derrota por goleada do seu candidato presidencial Barry Goldwater, que afirmava em 1964, na disputa com o democrata Lyndon Johnson, que "o extremismo na defesa da liberdade não é um defeito, mas uma virtude". O primeiro triunfo da contra-revolução ultraconservadora foi a conquista da Câmara dos Representantes pela Moral Majority do virulento Newt Gingrich, nas eleições de meio de mandato de 1994, pondo fim a 40 anos de domínio democrata na casa. A aversão à democracia da direita religiosa ficou escancarada na tentativa de desestabilizar o presidente Bill Clinton. Abrindo uma crise inédita, os republicanos se recusaram a votar o Orçamento da União, paralisando pela primeira vez a administração federal. Depois, na ânsia de obter provas para incriminá-lo por alegados trambiques quando governador de Arkansas (o caso Whitewater) e pelo affair Monica Lewinsky, o procurador especial Kenneth Starr - não menos fundamentalista do que Gingrich - recorreu a táticas de coerção de testemunhas que seriam reconhecidas de imediato pelo procurador soviético Andrei Vishinsky, o dos infames Processos de Moscou de 1936. O golpe do impeachment de Clinton fracassou, mas três anos depois, graças à clamorosa fraude eleitoral na Flórida, os ultra chegaram à Casa Branca com o renascido religioso George W. Bush. A partir de então, ou mais exatamente do 11 de Setembro, a pretexto da guerra ao terror, os Estados Unidos passaram a viver sob um regime aparentado ao autoritarismo. As evidências dificilmente poderiam ser mais abundantes: um Congresso invertebrado (além de corrupto e o mais ocioso em 60 anos), a mídia em geral acovardada, o dissenso perseguido, um presidente acima da lei e um vice defensor da tortura de suspeitos de terrorismo - praticada, aliás, no Iraque, em Guantánamo e onde quer a CIA terceirizasse os seus interrogatórios. Uma profusão de normas liberticidas de duvidosa legalidade e de procedimentos tipicamente ditatoriais tornaram a América irreconhecível. Mas, com tudo isso à mostra, nunca duvidamos de que a democracia americana sairia da era Bush incólume. O julgamento dos que se aproveitaram do trauma do 11 de Setembro para tentar desfigurá-la começou na terça-feira. As urnas não só revigoraram as instituições democráticas, mas atestaram a inigualável autenticidade da democracia que encantou Alexis de Tocqueville. Pela primeira vez, a Câmara será presidida por uma mulher, Nancy Pelosi. Pela primeira vez, a crucial Comissão de Orçamento da casa será dirigida por um negro, Charles Rangel. Pela primeira vez, um Estado WASP como Massachusetts será governado por um negro, Deval Patrick. E, pela primeira vez, enfim, os principais presidenciáveis democratas são uma mulher, a senadora Hillary Clinton, e um negro, o senador Barack Obama. "Às vezes", escreveu ontem no New York Times o colunista (negro) Bob Herbert, "você consegue sentir os ventos da história soprando." São os ventos da América. |
Entrevista:O Estado inteligente
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sexta-feira, novembro 10, 2006
Os ventos da América
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