Entrevista:O Estado inteligente

sexta-feira, novembro 10, 2006

Lula e a História João Mellão Neto


ARTIGO -
O Estado de S. Paulo
10/11/2006

Voltei. Agora, sexta-feira sim, sexta-feira não. Agradeço, de coração, a todos aqueles que me sufragaram nas urnas.

Não votei em Lula, embora respeite o resultado das urnas. São Paulo, aliás, foi um dos Estados onde Geraldo Alckmin venceu. Foi um excelente governador, era esperado que contasse com os votos dos paulistas. É uma pena que na maior parte do Brasil sua mensagem e seu desempenho como homem público não tenham tido o mesmo respaldo entre os eleitores. Geraldo ainda é jovem, tem 54 anos. Ainda ouviremos muito falar dele. Mas nos próximos quatro anos quem ocupará o proscênio ainda será o presidente Lula. Fará um bom governo? Tenho minhas dúvidas. Um homem não é apenas um homem, mas também as suas circunstâncias. E as circunstâncias dele são extremamente complexas. Lula não é um governante de esquerda. Isso ele demonstrou cabalmente em seu primeiro mandato. Para desalento dos petistas, as únicas áreas em que fez concessões ao pensamento marxista foram as de relações exteriores e política agrária. A implantação do Bolsa-Família não é esquerdista. Vale lembrar que as bases do programa foram estabelecidas ainda na gestão de FHC. Além do mais, a idéia original é de um dos próceres da economia liberal, o professor Milton Friedman, da Escola de Chicago. Segundo ele, programas de renda mínima para a população improdutiva são um dos preços que a economia capitalista tem de pagar para poder florescer e se desenvolver sem sofrer contestações no campo social.

Mas o próprio Friedman nunca se iludiu quanto aos seus resultados. O fim da pobreza só viria a efetivar-se quando os beneficiários realmente viessem a se integrar ao sistema produtivo, provendo, assim, o necessário para o seu sustento por conta própria. Bolsa-Família não emancipa ninguém se não vier acompanhada de políticas de educação e capacitação profissional. Sozinha, ela não passa de uma forma mais sofisticada e abrangente de esmola, um pedágio que se paga aos miseráveis para que eles permitam que a economia liberal se dissemine sem maiores percalços. Esta, sim, é a única fórmula comprovada de geração de riquezas. Não sou contrário a programas assistencialistas, como os de Lula, desde que não se perpetuem e se transformem na única medida social dentre as políticas públicas.

Lula reelegeu-se com facilidade devido, em grande parte, aos benefícios proporcionados pelo Bolsa-Família. Ele tem plena ciência disso. O perigo é que, embriagado pelo sucesso, ele não se preocupe mais em criar novos mecanismos de efetiva redenção dos miseráveis. O que se espera dele, agora que não poderá novamente se reeleger, é que se preocupe com o julgamento da História e tenha aprendido com os erros que seu governo cometeu no primeiro mandato.

A política exterior, por exemplo, foi um verdadeiro desastre. Embalado pelo sonho de fazer do Brasil um país líder do Terceiro Mundo, seu governo empreendeu uma custosa e equivocada política de aproximação com as nações não pertencentes ao bloco das economias desenvolvidas. Mal se apercebera ele de que o chamado Terceiro Mundo não mais existe, em razão do desmoronamento do Segundo - o bloco das nações comunistas. Desperdiçou tempo e dinheiro em visitas a nações pobres, em especial da África, para só depois constatar que elas nada podem contribuir para o desenvolvimento do Brasil. Nada produzem que seja do nosso interesse e pouco podem acrescentar ao nosso comércio exterior. Ao procurar, também, as nações mais prósperas de seu imaginário Terceiro Mundo, como a China e a Índia, aprendeu, amargamente, que elas não pretendem, nem de longe, se deixar liderar pelo Brasil e tampouco estão interessadas em formar blocos de países "não-alinhados". Ao contrário, o desejo delas é se integrar cada vez mais às economias desenvolvidas e, assim, se beneficiarem do fenômeno da globalização. Restava-lhe, por fim, a América Latina. Foi com enorme desalento que percebeu que esta não tinha a menor boa vontade com relação a nós. Haja vista o caso da Bolívia. Paparicamos Evo Morales ao máximo para só depois percebermos que, para os bolivianos, o imperialismo que os atormentava não era o dos EUA, mas sim o do Brasil. Ainda estamos pagando caro por isso.

A política fundiária representou outro desastre. O governo fez gigantescas concessões aos movimentos agrários clandestinos, como o famigerado MST, financiou a subsistência de todos e só depois veio a perceber que, para eles, o problema agrário era secundário. O que lhes interessava, e interessa, de fato, é a derrubada do regime democrático e a instauração do sistema comunista. Para tanto não poupam esforços no sentido de promover balbúrdias e desafiar a ordem constituída. O governo Lula, para eles, não passa de um inocente útil. Dá-lhes recursos para que eles os utilizem contra o próprio governo.

Outro campo em que Lula - espera-se - deve ter aprendido com os próprios erros é o da política interna. Carteira de filiação partidária não é diploma nem habilita ninguém ao exercício de cargos públicos de responsabilidade. Uma razoável parcela da administração pública, nos últimos anos, se quedou paralisada, tão-somente porque os seus responsáveis eram especialistas em organizar passeatas, mas nada entendiam sobre como organizar os seus próprios departamentos. Parafraseando Getúlio Vargas, pode-se dizer que, dos homens de confiança de Lula, metade não era capaz de nada e metade era capaz de tudo. Foram estes últimos - para os quais a causa revolucionária justifica qualquer expediente - que criaram a onda de escândalos que manchou o governo e destruiu o patrimônio ético que Lula acumulou durante 25 anos de militância política.

Lula, agora, está sozinho, no topo da colina, com os ventos frios da História a açoitar o seu rosto. É a ela - e somente a ela - que haverá de demonstrar a que veio.

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