Entrevista:O Estado inteligente

sábado, novembro 11, 2006

O novo mapa do jazz

O novo mapa do jazz

Uma grande transformação está em curso
no jazz: entre os dez jovens jazzistas mais
importantes de hoje, só dois são americanos


Sérgio Martins


Antes de iniciar a leitura desta matéria, preste atenção no mapa abaixo. Ele mostra os principais talentos do jazz atual, segundo uma enquete realizada por VEJA com uma dezena de especialistas – músicos, críticos e produtores brasileiros, europeus e americanos. O que o mapa revela é uma grande transformação nos rumos do jazz. Os Estados Unidos, onde o ritmo nasceu, têm só dois representantes – o pianista Brad Mehldau, tido como um gênio em seu instrumento, e o trompetista Roy Hargrove, cujos trabalhos trafegam nas searas do jazz tradicional e do funk. Os outros são oriundos da Europa (o pianista sueco Esbjörn Svensson, o gaitista suíço Grégoire Maret e o trombonista italiano Gianluca Petrella), da África (o baixista camaronês Richard Bona e o guitarrista beninense Lionel Loueke), do Oriente Médio (o baixista israelense Avishai Cohen), da Ásia (o pianista indiano Vijay Iyer) e da América Latina (a cantora brasileira Luciana Souza). Eles não apenas se destacam em meio a milhares de americanos que fazem jazz como também representam o que existe de mais vivo no gênero.

Durante décadas, músicos e jornalistas americanos trataram os jazzistas estrangeiros com a condescendência com que os brasileiros assistem ao desfile de uma escola de samba do Japão. Essa fase passou. Foi substituída pelo sentimento de que os sopros de inovação no jazz têm vindo de fora – já que no cenário interno eles são abafados por fatores culturais e de mercado. Um dos entraves é a força quase hegemônica da escola tradicionalista encabeçada pelo trompetista Wynton Marsalis. Ele considera que o jazz autêntico foi produzido até meados dos anos 60. Defende um regime espartano, calcado na repetição de standards e na imitação das técnicas de instrumentistas como Duke Ellington e Louis Armstrong. Outro elemento que contribuiu para a decadência do jazz americano foi o fenômeno dos cantores "ecléticos", que vendem milhões de cópias ao dar um verniz jazzístico a canções pop. São casos como os de Norah Jones (18 milhões de CDs vendidos do álbum Come Away with Me, de 2002) e do enjoativo canadense Michael Bublé.

O que os jazzistas internacionais têm feito, em primeiro lugar, é ampliar o repertório do gênero. Mas não é só isso que eles propõem. Virtuoses em seus instrumentos, eles têm executado aquela manobra essencial do jazz – a improvisação – incorporando a ela elementos de suas próprias linhagens musicais. Já em 1953, num dos ensaios mais cortantes jamais escritos sobre o tema, o filósofo alemão Theodor Adorno sentenciava que, "diante das enormes possibilidades de invenção e de tratamento do material musical, o jazz apresenta-se em um estado de completa indigência". Os novos jazzistas respondem a esse veredicto rabugento. Não com aquela manjada fusão do jazz com ritmos "étnicos" e regionais, mas com subversões menos espetaculosas, e no entanto mais efetivas, da tradição musical.

Um caso emblemático é o do pianista Vijay Iyer. Ele nasceu em Nova York mas é descendente de indianos. "Se você perguntasse minhas influências, eu diria que são as obras do americano Thelonious Monk. Mas os genes musicais da minha família estão em cada nota que toco", diz. Outro exemplo é o da cantora paulista Luciana Souza. Ela mal tinha iniciado sua carreira, nos anos 90, quando foi contratada por um selo de jazz dos Estados Unidos. Mudou-se para Nova York e equilibrou o trabalho de intérprete com o de professora de canto da respeitada Berklee College of Music, de Boston. A carreira de Luciana Souza é modesta em termos de vendas, porém bastante respeitável. Críticos como Ben Ratliff, do New York Times, são fãs de seus vocais treinados e do repertório rico – que incorpora Hermeto Pascoal e Luiz Gonzaga. Por três vezes ela concorreu ao Grammy de melhor disco de jazz. Não levou o prêmio, mas ganhou visibilidade. Seu próximo álbum terá produção de Larry Klein, que trabalhou com a cantora e compositora canadense Joni Mitchell.

As companhias de disco americanas têm se mantido atentas à movimentação do jazz internacional. O camaronês Richard Bona saiu de um pequeno selo francês para a Verve, gravadora que lançou discos clássicos de John Coltrane e Billie Holiday. O próximo trabalho do baixista israelense Avishai Cohen será um disco ao vivo, gravado no lendário Blue Note, de Nova York. Enquanto isso, o pianista americano Brad Mehldau procura emular não o conservadorismo de Wynton Marsalis, mas o espírito de Dizzy Gillespie e John Coltrane, que nos anos 50 fizeram experiências com a música cubana ou indiana. O próximo disco dele e de sua mulher, a cantora Fleurine, deverá ter músicas do compositor paulistano Chico Pinheiro. "Um dos melhores trabalhos que ouvi em anos", declara Mehldau.



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