O Estado de S. Paulo |
13/11/2006 |
Em circunstâncias normais, e no passado, a vitória do Partido Democrata nos Estados Unidos (EUA) seria uma má notícia para o Brasil. Os democratas, ligados estreitamente aos sindicatos de trabalhadores, eram protecionistas - isto é, contrários a acordos de livre comércio, sob o argumento de que a abertura às importações roubava empregos dos americanos. É um bom argumento, porque rouba mesmo. Um exemplo: de uns tempos para cá, muitos americanos caíram de amores pelo novo Fusca, o Beetle, besouro, que é um carro de luxo. É produzido na Volks do México, que tem acordo de livre comércio com os EUA. Em resumo, fica mais barato fabricar no México e exportar sem impostos para os EUA. Isso vale para diversas indústrias, como têxteis, calçados, bicicletas, e por aí vai. Hoje, nem computadores são fabricados nos EUA. Os democratas, ao velho estilo, até os anos 60, tratariam de impor restrições às importações, fariam exigências de fabricação local, imporiam punições a empresas que transferissem sua propriedade para o exterior. Hoje, porém, a vitória democrata não levará necessariamente a uma onda protecionista. Como percebeu Bill Clinton, o último presidente democrata, os tempos modernos, a globalização avançando, mostraram os enormes efeitos positivos do livre comércio. Como se verifica desde os anos 90, e apesar das diversas crises financeiras, o forte crescimento da economia mundial, com expansão igualmente intensa do comércio internacional, cria oportunidades para todos os países, ricos, emergentes e pobres. O fato marcante observado nos EUA: mesmo com a transferência de fábricas e serviços para outros países - o caso famoso mais recente é a instalação de call center de companhias americanas na Índia -, o nível de emprego não parou de subir. Nem os salários. Assim, se em alguns setores se pode falar em destruição de emprego, em outros ocorre o contrário, a criação. Para resumir, a máquina do computador pode ser feita na China, mas o software é da Microsoft. E, afinal de contas, isso não é um efeito da globalização, mas o que ocorre com qualquer economia dinâmica. O avanço tecnológico vai eliminando empregos e criando outros. Os ganhos de riqueza fazem com que os trabalhadores de um determinado país passem para serviços, digamos, mais nobres e transfiram o batente pesado para outros lugares. Com o crescimento industrial de uma determinada região, tudo ali se beneficia dos ganhos de riqueza: os salários sobem, as cidades melhoram, aparecem casas e restaurantes melhores, os proprietários cobram mais caro por aluguéis e serviços, até que a potencialidade se esgota. Nesse momento, ou a região se reinventa ou volta um pouco para trás. Essas mudanças ocorrem mesmo dentro de um país. A indústria automobilística brasileira começou no ABC paulista e dali se espalhou pelo País. É muito mais barato montar uma fábrica na Bahia - todos os custos, do terreno à mão-de-obra, são menores. Por isso mesmo, há pouco os trabalhadores da fábrica Anchieta da Volks, não por acaso a mais antiga do ABC e do País, foram obrigados a concordar com demissões e reduções de benefícios para salvar parte dos empregos. Em resumo, nos EUA o pessoal percebeu que esse processo ocorre mesmo quando não há acordo de livre comércio. A China não tem esse tipo de acordo com quase ninguém e, ainda assim, inunda os mercados mundiais com seus produtos baratos, aliás, uma das causas da inflação mais baixa pelo mundo afora. Assim, tentar conter essas forças de crescimento, impondo medidas protecionistas, significa cortar o dinamismo da economia, proteger setores atrasados, desestimular a inovação e os ganhos tecnológicos. O negócio é o contrário: lutar pela abertura e liberdade de empreender e de comerciar. Assim pensavam os dois líderes da política econômica de Clinton, o banqueiro Robert Rubin e o economista Larry Summers. E assim agiram. Mudaram também outro perfil democrata. Até Clinton, a regra do jogo era a seguinte: os democratas aumentavam o gasto público e, para financiá-lo, aumentavam os impostos; os republicanos tratavam de reduzir o tamanho do governo, cortando gastos e impostos - “Tirem o Estado de nossas costas”, dizia Ronald Reagan. Resultou que, por um motivo ou outro - e sempre um aumento de gasto militar -, os republicanos fizeram parcialmente o contrário, elevaram as despesas do governo. Como continuaram com a prática de reduzir impostos, especialmente da classe média alta para cima, deixaram um enorme déficit. Clinton fez o ajuste fiscal e deixou um enorme superávit para Bush. Que torrou tudo, grande parte no Afeganistão e no Iraque, e fez um déficit do mesmo tamanho. Déficit esse que é agora também um problema dos democratas, pois, tendo a maioria na Câmara dos Deputados, vão comandar a votação do orçamento. E segue o mundo. Não que o protecionismo tenha acabado, ao contrário, há até uma volta forte nos últimos tempos, e isso no mundo todo. E pelos piores motivos. Uma coisa é uma ideologia, uma proposta de desenvolvimento baseada na nacionalização da indústria e na substituição de importações. É equivocada, mas uma proposta que se dirige para todo o país. O protecionismo de Bush é diferente. Muito pior. Sustenta a retórica do livre comércio, até avançou em acordos bilaterais, mas cedeu a pressões protecionistas localizadas simplesmente para apanhar o voto deste ou daquele senador, deste ou daquele Estado. É o que chamamos aqui de fisiologia. Chamamos e praticamos. Hoje, em todos os partidos, do governo e da oposição, há gente falando que é preciso reduzir impostos. Mas já se começa a discutir o salário mínimo de 2007 e a menor proposta é de reajuste para R$ 400 - que custaria R$ 10 bilhões ao ano. Também todos falam em elevar os investimentos públicos e mais os gastos sociais, de olho no voto dos mais pobres, assim mesmo apanhados por Lula. Não fecha, é pura fisiologia. Ou vão destruir as finanças públicas ou vão trair o que prometeram. Ou as duas coisas ao mesmo tempo. Sabem de uma coisa? Era melhor com as velhas ideologias. Ao menos dava para discutir e argumentar. A ver como se comportam os democratas americanos, que começam a voltar ao poder. |
Entrevista:O Estado inteligente
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