Entrevista:O Estado inteligente

terça-feira, novembro 07, 2006

Míriam Leitão - O melhor a fazer


Panorama Econômico
O Globo
7/11/2006

Todo governo acha que é injustiçado pela imprensa e que os jornalistas deveriam dar mais ênfase às boas notícias. Só os governos de natureza autoritária acham que é preciso interferir criando conselhos, controles, leis para forçar os jornalistas a escrever o que o governo acha que é o correto. No período Lula, várias vezes, as autoridades têm tentado atravessar essa fronteira. Foram sempre contidas pelas instituições e a opinião pública.

Autoridades têm o direito de criticar jornalistas, individual ou coletivamente. O que não podem é usar o aparelho de Estado, o aparato policial, para intimidar e pressionar jornalistas. Quem faz isso são as ditaduras, não as democracias. Não podem também denunciar supostas conspirações, porque isso alimenta em seus defensores mais ardorosos a idéia de tomar alguma atitude contra a imprensa. Inclusive física.

O governo Lula sempre achou que tinha lições a dar aos jornalistas sobre como exercer o ofício. Antes de Marco Aurélio Garcia dizer o que disse na semana passada, o ministro, ou ex-ministro, Luiz Gushiken tentou dar lições aos profissionais da imprensa. Até o presidente Lula também, em algumas ocasiões, foi por essa mesma linha.

Ao final desta eleição, o clima ficou meio azedo. Autoridades criticando os jornalistas pelo que supõem ser um partidarismo da mídia; militantes do PT raivosos entupindo e-mails de jornalistas conhecidos com críticas, ofensas e ameaças. Agremiações que circulam na órbita do poder soltando notas confirmando a teoria da conspiração. Isso revela o quanto o partido do governo, alguns de seus líderes e alguns de seus militantes precisam aprender sobre como conviver com o contraditório.

"Não mate o mensageiro" é uma velha máxima que significa: quem dá a notícia não é culpado por ela. O que os jornalistas publicaram de mais impressionante nos últimos tempos foram notícias que, muitas vezes, saíram de pessoas do governo ou próximas dele. Rápido balanço: o escândalo do mensalão começou quando o então deputado Roberto Jefferson, da base de sustentação do governo e homem a quem o presidente da República disse que daria um cheque assinado em branco, acusou o governo de comprar deputados. A informação de que o PT tinha feito caixa dois foi dada pelo próprio ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares. A notícia de que o PT pagou serviços de publicidade em contas no exterior ou em enormes quantias de dinheiro vivo veio do publicitário da primeira campanha, Duda Mendonça. Que petistas do comitê de campanha da reeleição tentavam comprar um dossiê contra adversários, usando para isso dinheiro sem origem comprovada, ficou provado num flagrante policial. Qual dessas notícias a imprensa não deveria ter dado? De que forma qualquer dessas notícias pode ser edulcorada para ser favorável ao governo?

Após a eleição, o governo se sentiu forte o suficiente para tirar do armário a idéia de controle da imprensa. No começo deste primeiro mandato, como todos se lembram, através da tentativa de criar o Conselho Federal de Jornalistas e da Ancinav, o governo quis controlar os meios de comunicação. Fracassou. Agora tenta de novo e chama a investida de "democratização dos meios de comunicação". Durante os últimos quatro anos, o governo Lula criou jornais e revistas, achando que, assim, substituiria os órgãos de maior circulação. Não deu muito certo.

Na Venezuela, a relação entre imprensa e governo foi envenenada por erros de ambas as partes. O presidente Hugo Chávez investiu contra a imprensa, atiçou suas milícias armadas contra jornalistas, constrangeu repórteres em reuniões públicas. Criou um clima tal que provocou atentados contra jornais e emissoras de TV. As empresas, por sua vez, chegaram ao absurdo de participar de uma conspiração num golpe de Estado que fracassou. No Brasil, as instituições funcionam de maneira muito melhor e mais saudável, mas se vê no governo sementes da mesma intolerância que levou ao acirramento do conflito venezuelano. Esse clima de enfrentamento não ajuda ninguém e prejudica a democracia brasileira.

Existem grupos, partidos e pessoas que lidam muito mal com a derrota. O presidente Lula, nas derrotas que amargou, sempre reagiu mal; ou denunciando suposta fraude, ou não reconhecendo a derrota. Lidar mal com derrotas é feio, mas até compreensível. O estranho é o que se vê agora: o governo e o PT estão lidando mal com a vitória. Em vez de comemorar a conquista consagradora do segundo mandato, eles procuram encontrar os supostos inimigos, alimentam sentimentos de revanche, ameaçam. Não todos os integrantes do governo, nem todos os militantes do partido, felizmente. Mas os que agem mal estão passando a idéia de que a reação é generalizada.

Esse é um mau começo de um período que será difícil de qualquer maneira. Primeiro, porque, sobre o governo e o presidente, pesam denúncias e ações na Justiça que terão seguimento; segundo, porque um segundo mandato é sempre mais difícil que o primeiro. O melhor agora é o governo abandonar esta idéia de perseguição e se preparar para corresponder à confiança que o povo brasileiro depositou no grupo que está no poder. Todos os esforços devem se concentrar em fazer uma boa administração, aprendendo com os erros do primeiro mandato, em vez de tentar culpar a imprensa por uma suposta conspiração.

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