O Globo |
7/11/2006 |
Passada a radicalização da campanha eleitoral, exacerbada pela decepção petista de não ter liquidado a fatura no primeiro turno, começam a vir à tona notícias mais reais do que as veiculadas pela propaganda eleitoral no rádio e televisão, que a cada eleição se mostra mais decisiva no resultado da eleição quanto menos revela a realidade. O responsável pelo "governo virtual" de Lula mostrado na televisão, o marqueteiro João Santana, revelou em entrevista a Fernando Rodrigues, da "Folha", que a discussão sobre as privatizações foi utilizada como uma maneira de reavivar "emoções políticas" no imaginário do brasileiro comum. Sendo assim, o tema não era uma bandeira ideológica que Lula defendesse ardorosamente, mesmo porque, como o tucano Geraldo Alckmin tentou argumentar durante a campanha, o governo Lula privatizou bancos e linhas de transmissão de energia, além da exploração de madeira na Floresta Amazônica. O erro de Alckmin, como comenta Santana na entrevista, foi não ter defendido as privatizações como maneira de alcançar o desenvolvimento. Ao contrário, tentou demonizar o projeto de exploração da Amazônia, aprovado no Congresso inclusive com o apoio do PSDB e de inúmeras ONGs. Embora Santana diga que não faz "juízo de valor", ele mesmo admite que a impressão generalizada de que "algo obscuro" aconteceu nas privatizações, explorada na campanha de Lula, deveu-se a um "erro de comunicação do governo FH, que poderia ter vendido o benefício das privatizações de maneira mais clara. No caso da telefonia, teve um sucesso fabuloso. As pessoas estão aí usando os telefones". Perguntado se não seria uma estratégia desonesta explorar esses sentimentos populares que não exprimem necessariamente a verdade dos fatos, João Santana foi claro: "Trabalho com o imaginário da população. Numa campanha, trabalhamos com produções simbólicas". Santana argumenta, com razão, que Lula não foi eleito apenas por causa da discussão sobre privatização, e aproveita para ensinar: "Alckmin poderia mostrar objetivamente o uso de telefones, de computadores, de internet". Também com relação à queda da desigualdade de renda no país, um dos carros-chefes da campanha de Lula, novos estudos mostram que, a partir de 2004, ela foi reduzida, sobretudo nas principais regiões metropolitanas, onde já há indicações de concentração de renda em 2005. O índice de Gini, que mede a desigualdade de renda, teve queda de 0,6% entre 2004 e 2005, o pior desempenho desde 2001. Os dados aparecem agora, como desdobramento do estudo de Marcelo Neri, chefe do Centro de Políticas Sociais da Fundação Getúlio Vargas, com base na Pnad, que mostrou pouco antes da eleição que o nível de pobreza caiu 19,18% nos três primeiros anos do governo Lula, o maior recuo em dez anos. Os dois dados são verdadeiros, mas mostram que, obtidos por meios não estruturais como os programas assistencialistas, os efeitos da redução da desigualdade não são duradouros. São cinco, basicamente, segundo um estudo dos economistas José Roberto Mendonça de Barros e Lídia Goldenstein, os fatores principais que explicam o aumento do consumo das famílias. O aumento do salário mínimo, que praticamente dobrou a capacidade de compra da cesta básica, está com seu efeito esgotado. Um estudo do mesmo Marcelo Néri, da FGV, em parceria com a ONU, mostra que o efeito do aumento real do salário mínimo na redução da pobreza, através do mercado de trabalho, está praticamente esgotado, cancelado pelos efeitos negativos sobre desemprego e informalidade. O aumento do crédito é outra razão, mas tem efeitos limitados sem o aumento do emprego e da produtividade. A valorização da taxa de câmbio, que barateou o preço dos alimentos e os produtos importados, outro fator importante, não é permanente, embora provavelmente continue a atuar no próximo ano pelo menos. O Bolsa Família é talvez o fator preponderante, e já atinge cerca de 11 milhões de famílias, especialmente no Nordeste. O governo já investe nesse programa R$9,5 bilhões, e seu limite é fiscal. Alguns desses fatores, somados, fizeram com que as regiões com maior crescimento de vendas de comércio tenham sido Norte e Nordeste. De março de 2005 a fevereiro de 2006, a expansão no Nordeste foi de 15%, o triplo da nacional. Mas esse crescimento já está em declínio. Por saberem disso, os planejadores do segundo governo Lula já estão colocando no papel diversos projetos mais realistas de gestão, o que é alvissareiro. Entre as propostas estão os inevitáveis cortes de gastos, com um redutor de despesas de longo prazo. Também a conta de pessoal deverá cair 0,5 ponto percentual até 2010. Há uma projeção de se chegar a 2010 com juros reais a 5% ao ano, e com reformas da Previdência que implicam a redução, em longo prazo, dos aumentos dos benefícios. Tudo isso para viabilizar a elevação da taxa de investimento para 24,5% do PIB. Na época do "milagre brasileiro", nos anos 70, em que crescíamos a taxas asiáticas, o investimento no país chegou próximo a 30% do PIB, sendo que o Estado entrava com cerca de 10% e o restante era bancado pela iniciativa privada. Hoje o investimento privado continua na casa dos 18%, mas a capacidade do Estado é cada vez menor, entre 1% e 2% nos últimos anos, a mais baixa taxa de investimento desde o pós-guerra. O investimento público vai ter que aumentar pelo menos 1% do PIB nos próximos quatro anos para se atingir a meta. Se confirmados, são sinais positivos de um governo que saiu da eleição com o pé no chão, longe da politicalha que domina o PT e parte de seus membros mais importantes. |
Entrevista:O Estado inteligente
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