Entrevista:O Estado inteligente

segunda-feira, novembro 06, 2006

Mais um caso de privatização


Artigo - Carlos Alberto Sardenberg
O Estado de S. Paulo
6/11/2006

O apagão da aviação civil é um exemplo perfeito de como está errada a gestão dos serviços públicos no Brasil.

Começando pelo dinheiro: afirma-se que o sistema de tráfego aéreo foi vítima da política de controle dos gastos públicos, em especial do superávit primário - a economia que o governo faz nas despesas para pagar a conta de juros. Estão vendo?, diz-se, resolvem pagar juros para os banqueiros e aí não sobra para o controle de tráfego.

Falso. Seria correto se todo o setor público estivesse submetido a um forte arrocho. Entretanto, diz o relatório da Secretaria do Tesouro, o aumento dos gastos do governo federal em 2005 foi de 16,5%; nos primeiros nove meses deste ano, foram mais 16% de alta, sobre o mesmo período de 2005. Como a economia brasileira cresceu apenas 2,6% na média nos dois últimos anos, verificou-se um aumento real, e forte, dos gastos públicos. Portanto, não faltou dinheiro para todo o governo nem para todo o seu pessoal. Aliás, as despesas com salários do funcionalismo estão subindo 12% neste ano, em cima de uma alta de 10,3% em 2005.

Obviamente, faltou dinheiro para os controladores do tráfego aéreo, mas não para outras categorias, algumas, aliás, com os maiores salários do governo. Eis algumas comparações.

Segundo informa a Aeronáutica, há 2.683 controladores em atividade, com salários variando de R$ 1.800 a R$ 4 mil. Suponhamos que se concedesse um aumento linear de R$ 10 mil mensais para todos, uma farra. Isso custaria pouco menos de R$ 350 milhões/ano. É algum dinheiro, mas o governo federal vai gastar neste ano mais de R$ 100 bilhões na rubrica de pessoal. E gastou R$ 5 bilhões com o reajuste de várias categorias. Como dizer que não havia verba para os controladores?

Outra comparação: se o governo economizasse R$ 1,65 no reajuste do salário mínimo, já sobrariam os recursos para dar R$ 10 mil de aumento a cada controlador. É isso mesmo: um real e 65 centavos a menos no mínimo faria a festa dos controladores. Só que, naquele momento, com as eleições começando a esquentar, os R$ 350 para o mínimo faziam efeito maior, não é mesmo?

Portanto, havia dinheiro.

Segue a seqüência de equívocos. Se quisesse conceder os R$ 10 mil de aumento, o governo não conseguiria. Primeiro, porque a maior parte dos controladores (2.112) é formada por militares da Aeronáutica, muitos deles sargentos. Ganhando R$ 11,8 mil, o sargento-controlador estaria recebendo mais que um brigadeiro. Não pode. Aí teria de aumentar proporcionalmente todos os soldos da Aeronáutica e, para equiparar, os do Exército e da Marinha - e a conta já estourou.

Por outro lado, não é possível aumentar só os civis, e não os colegas militares que estão ali ao lado exercendo a mesma função.

Portanto, as promessas do governo de aumentar o salário dos controladores não poderão ser cumpridas sem uma alteração na estrutura do serviço, basicamente para desmilitarizá-lo. O que também é simples, pois os atuais controladores militares teriam de ser desmobilizados da Aeronáutica e depois recontratados (sem concurso?) como civis.

Pode-se dizer que não é assim tão difícil desembaraçar essa burocracia. Talvez, mas o ministro da Defesa, Waldir Pires, só se reuniu com os controladores no sétimo dia do apagão e se declarou surpreendido com o que encontrou. Reclamou que não lhe haviam contado nada.

De onde fica evidente o equívoco essencial: o sistema de controle do tráfego aéreo não tem nada que ser militar, muitíssimo menos estar sob o controle do Ministério da Defesa, especialmente da atual administração.

Parece simples a solução. Trata-se apenas de criar um órgão civil, talvez mais uma estatal, ou ainda transferir para a Infraero, que já administra os aeroportos, o controle do tráfego.

Simples? No governo? O sistema de radares, por exemplo, pertence à Aeronáutica, encarregada de vigiar o espaço aéreo nacional. O que fazer? Partilhar os radares ou construir um novo - e caro - sistema? Como partilhar?

Não se trata, aqui, de criar caso, mas de mostrar como equívocos de origem na construção do sistema criam obstáculos monumentais à sua própria reforma - um dos temas constantes neste espaço.

E, por falar nisso, os leitores podem até pensar que é provocação ou idéia fixa deste espaço, mas resulta evidente que todo o sistema funcionaria melhor se fosse privado, dos aeroportos ao controle do tráfego. Começa que o sistema seria autofinanciado.

Hoje, passageiros e companhias aéreas pagam taxas salgadas, como a tarifa de embarque, que deveriam ser integralmente destinadas ao financiamento de todos os serviços, da manutenção e construção de aeroportos até ao sistema de controle do tráfego.

Se tudo isso estivesse por conta de uma entidade civil autônoma, uma concessionária privada ou, digamos, uma associação formada pelas empresas aéreas e representantes dos passageiros, o dinheiro iria direto para o caixa dessa administradora. Hoje, nessa confusão de administração civil e militar, o dinheiro circula pelo caixa do governo e aí cai nas prioridades dos governantes do plantão.

É verdade que a estatal Infraero está tocando obras pelo Brasil afora, o que faz muito bem. Mas é evidente que o serviço está atrasado e é insuficiente. Aeroportos recém-reformados, como o de Congonhas, continuam congestionados. Mas, como estatal, a Infraero não tem recursos para mais. A prioridade do gasto público há muito tempo não está nos investimentos em infra-estrutura.

Por que não privatizar aeroportos e/ou passar a construção de novos a empreiteiras? O presidente Lula não gosta da palavra privatização. Diz que isso é vender patrimônio, algo muito diferente, acrescenta, de conceder serviços públicos a empresas privadas, nacionais ou estrangeiras, inclusive pelo sistema das Parcerias Público Privadas. Isso ele topa.

Já serve. Eis um projeto para o segundo mandato: conceder todo o serviço aéreo, do aeroporto ao controle, a empresas privadas. Nem precisaria vender a Infraero, ela ficaria, competindo com as empresas privadas, perdão, com as parceiras. Já pensaram poder escolher entre embarcar num aeroporto da Infraero ou em outro administrado por uma concessionária privada?

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