Entrevista:O Estado inteligente

domingo, novembro 05, 2006

Mailson da Nóbrega Existe a URV do crescimento?

Todos almejamos a volta do elevado crescimento, mas ainda não temos como chegar lá. O presidente Lula tem visão distinta. Diz que preparou o País para crescer até 7% ao ano. O ministro da Fazenda, menos otimista, fala em 5%.

O problema é como atingir esse objetivo. Uma afirmação acaciana diria que o crescimento depende da criação das respectivas condições objetivas, particularmente para o investimento, as quais não foram construídas, por mais que Lula pense o contrário.

Se quiser, o presidente pode fazer a economia crescer, mesmo sem essas condições. Auxiliares seus sabem como proceder. Para o ministro Tarso Genro, basta decretar o fim da “era Palocci” e cair na gandaia do crescimento “com distribuição de renda”. O vice-presidente José Alencar tem a pista para o Banco Central baixar os juros na marra. Outros sabem como desvalorizar o câmbio para catapultar as exportações. Haverá quem invoque o nome de Keynes em vão para sugerir um aumento de gastos e assim expandir a economia.

Com esse poderoso coquetel, a economia cresceria como um foguete e poderia passar das alturas de 7%. Acontece que Lula prometeu uma “política fiscal dura” e a manutenção do regime de metas de inflação, pois entende que a estabilidade “é condição básica para manter o poder aquisitivo do povo pobre deste país”. Aí a conta não fecha. A estratégia proposta por seus companheiros de governo seria insustentável e desaguaria em crise fiscal e inflação desembestada. O foguete se estatelaria no chão.

Como fazer? Para a corrente que acredita na força das palavras, a saída é fixar uma meta de crescimento, pois a inflação já não existe ou é considerada um mal menor, como na época do nacional-desenvolvimentismo. À la Garrincha, seria preciso combinar com os russos, neste caso os pobres, os quais aprenderam que inflação não presta.

Quem estudou um pouco o assunto sabe que não é possível fixar simultaneamente metas de inflação e de crescimento. Se o governo estabelecer uma terá de esquecer a outra. Com seu habitual humor, o jornalista Carlos Alberto Sardenberg lembrou que fixar uma meta de crescimento é o mesmo que estabelecer um placar para um time de futebol ganhar uma partida.

Existe outra fórmula na praça. É a dos que lembram o modelo do Federal Reserve, o banco central americano, o qual busca ao mesmo tempo a estabilidade da moeda e o crescimento. Existiria aí a justificativa para a intervenção destinada a baixar os juros e aumentar o câmbio.

Seria tiro na queda. Receita garantida. A economia passaria a crescer pra caramba.

De fato, como se vê do endereço do Fed na internet (www.federalreserve.gov), sua missão inclui o crescimento. Acontece que a contribuição para esse objetivo não decorre de medidas para promover a expansão do PIB. Esse papel é exercido mediante ações que asseguram a credibilidade da organização, a previsibilidade de suas decisões e a capacidade de coordenar expectativas, o que evita volatilidades e preserva o ambiente para o investimento.

E agora? Outro jornalista, Fernando Rodrigues, detectou essa sinuca de bico. Uma saída, disse ele, seria Lula encontrar um time de assessores que o apresentasse a uma “URV do crescimento”. A URV, como se recorda, foi o mecanismo utilizado em 1994 pelo Plano Real, o qual permitiu, à moda das experiências de hiperinflação da Europa, o ataque frontal à inflação brasileira.

Acontece que a URV não foi uma espécie de truque para estabilizar os preços, mas uma saída técnica, competente e ousada para enfrentar o problema da inércia inflacionária provocada pela indexação geral de preços, salários e contratos. A proposta surgiu de pesquisas acadêmicas sérias e de um extraordinário insight de dois economistas brasileiros, André Lara Resende e Pérsio Arida. A URV, como se sabe, foi inspirada no plano que os dois haviam apresentado em artigo escrito dez anos antes.

Conclusão: fazer crescer uma economia com as amarras da nossa, particularmente as de natureza fiscal e tributária, não é tarefa trivial. Lula se decepcionará se continuar acreditando que tudo está pronto para isso.

Políticos, empresários e parte do PT acham que o crescimento já está à porta. É só abrir. Deveriam acreditar em duendes ou entender que o caminho requer medidas impopulares e reformas complexas, como será o caso das mudanças na Previdência.
*Mailson da Nóbrega é ex-ministro da Fazenda e sócio da Tendências Consultoria Integrada

(e-mail: mnobrega@tendencias.com.br)

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