Entrevista:O Estado inteligente

domingo, novembro 05, 2006

CELSO MING Inclusão global


O professor Richard B. Freeman, da Universidade de Harvard, é uma das maiores autoridades mundiais em Economia do Trabalho. Algumas de suas conclusões vêm provocando espanto entre os analistas internacionais.

Em junho divulgou estudo intitulado Labor Market Imbalances: Shortages, or Surpluses, or Fish Stories. (Confira em www.bos.frb.org/economic/conf/conf51/papers/freeman.pdf).

Lá está dito que, em apenas dez anos (entre 1990 e 2000), a força mundial de trabalho saltou de 1,46 bilhão para 2,93 bilhões de pessoas, graças à incorporação da China, da Índia e do antigo bloco soviético ao sistema produtivo global.
Essa duplicação do mercado de trabalho vem exercendo enorme impacto. Aqui estão três de suas conseqüências:

(1) Mudança na relação entre capital e trabalho. As grandes empresas estão transferindo indústrias para a China, para a Índia ou para países do antigo bloco soviético para aproveitar mão-de-obra barata em vez de continuar contratando pessoal nos países industrializados a custos substancialmente mais altos. Freeman calcula que, nesse período, a relação de capital (investimentos) e trabalho caiu para 61% do que era antes. Como eram (são) carentes de capital, esses países aumentaram fortemente a participação do trabalho no processo de desenvolvimento econômico.

(2) Achatamento salarial no mundo rico e alta na outra ponta. Conforme os produtos mais baratos da Ásia e do antigo bloco soviético chegam aos mercados, os trabalhadores dos Estados Unidos e da Europa têm de se conformar com salários mais baixos. Mas na Ásia já se nota forte movimento em sentido contrário. Entre 1990 e 2002, os trabalhadores chineses tiveram aumentos reais de salário (descontada a inflação) de 6,7% ao ano. Em dez anos, seu poder aquisitivo quase dobrou. No mesmo período, os indianos tiveram aumentos reais de salário de 4,3% ao ano.

(3) A equiparação leva tempo. Ao ritmo de hoje, a economia chinesa levará cerca de 30 anos para pagar aos trabalhadores locais salários equivalentes aos do mundo rico. Na Índia, esse processo exigirá entre 40 e 50 anos.

Freeman está mais interessado em examinar as conseqüências da atuação desses emergentes sobre o mercado de trabalho dos Estados Unidos. Ele refuta a tese de que está próxima a temporada de escassez no mercado de trabalho americano em razão da aposentadoria em grande escala da geração baby boom (os nascidos entre 1945 e 1961). Para ele, a emergência das novas potências muda tudo no mercado americano de trabalho. O estudo mostra outras conclusões igualmente importantes.

Uma delas (não enunciada pelo autor) é a de que essa duplicação da força de trabalho em apenas dez anos demonstra que a globalização não pode ser considerada tão excludente quanto tantos observadores de esquerda vêm apontando. Pelo menos 1,5 bilhão de pessoas, o dobro do que havia antes no mundo, estavam à margem do sistema produtivo e foram incorporadas a ele. Isso não é pouco. Mal ou bem, essa gente passou a ter um emprego, um mínimo de benefícios trabalhistas e, mais do que tudo, perspectiva de melhora do padrão de vida.

Outra conclusão: a ascensão desse contingente de trabalhadores ao mercado internacional de trabalho abre grande oportunidade para países fornecedores de matérias-primas, como o Brasil. O problema está em que a mineração e o agronegócio, principais produtores de matérias-primas, utilizam cada vez menos mão-de-obra. Ou seja, deixam sem solução o problema de como equacionar desenvolvimento e criação de postos de trabalho.

Isso não é tudo. Os produtos industrializados dos países da América Latina e da África vinham ganhando fatias de mercado de consumo nos países ricos graças ao uso de mão-de-obra barata. Agora têm de enfrentar não só a concorrência dos baixos salários da Ásia e do Leste Europeu no seu comércio exterior, mas também a do produto asiático em seus mercados internos. Quer dizer, os demais emergentes vão sendo empurrados de volta à periferia do sistema.

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