Entrevista:O Estado inteligente

domingo, novembro 05, 2006

DORA KRAMER O risco do ponto zero

Dora Kramer, dora.kramer@grupoestado.com.br

Uma idéia, em princípio estapafúrdia, vem rondando cabeças oposicionistas que consideram arriscado apoiar a proposta de acabar com a reeleição para presidentes, governadores e prefeitos.

O raciocínio do risco é o seguinte: revogada a emenda constitucional de 1997, os governantes reeleitos agora em 2006 poderiam, em 2010, alegar condições de eleição, pois estariam submetidos a uma regra nova e não mais aos ditames da antiga, que permite apenas uma repetição de mandato.

É claro que os autores desse pensamento preocupam-se mesmo é com a possibilidade de o presidente Luiz Inácio da Silva vir a invocar esse argumento para tentar um terceiro mandato, mas a brecha jurídica, se houver, beneficiaria também governadores e prefeitos que, por essa lógica, poderiam ter não dois, mas três mandatos somando 12 anos de poder.

E de onde surgiu tal lampejo?

Da lembrança do que ocorreu quando da mudança da moeda de cruzeiro para real. Foi demarcado um ponto zero na economia. Os compromissos para trás tinham de obedecer às novas normas. As regras que regiam o cruzeiro foram substituídas pelas que regulamentavam negócios em real.

Assim, de acordo com as análises correntes, poderia vir a acontecer com a reeleição: o compromisso de disputar apenas um mandato a mais ficaria preso ao passado e o presente, na hipótese de se alterar a Constituição, seria aquele mesmo ponto zero demarcado no Plano Real, definindo as regas do futuro.

Zerado o jogo, todos poderiam concorrer em condições de igualdade, inclusive Lula.

É claro que esse tipo de coisa dependeria de uma interpretação generosa da nova situação e implicaria também a inexistência de um impedimento explícito na nova emenda de os reeleitos em 2006 concorrerem em 2010.

Mas, de qualquer forma, os donos do raciocínio acham melhor adotar o lema segundo qual seguro morre de velho e deixar para lá essa história de acabar com a reeleição.

Se levarem adiante a tese, haverá reação contrária no PSDB e no PFL, patrocinadores da emenda que deu a Fernando Henrique o direito de se reeleger e agora quase unanimemente favoráveis à revogação da norma. Sob o argumento de que não “deu certo”.

Na verdade, não “dá certo” porque os governantes, com reeleição ou sem ela, fazem uso escancarado da máquina pública e sempre fizeram, para si ou para seus candidatos às respectivas sucessões.

O fim da reeleição não vai acabar com isso, assim como não foi o instituto da reeleição que marcou o início da apropriação do Estado por interesses pessoais ou partidários. A deformação é antiga, é de conduta, e não será corrigida com a extinção de uma regra, instituída sob a égide do casuísmo e agora bombardeada por razões igualmente casuísticas.

Uma delas, não a única, é garantir que o maior número de pretendentes possam ter acesso à Presidência da República em um menor espaço de tempo. Pode ser democrático, mas apostar na longevidade das leis e no aperfeiçoamento do comportamento dos homens também é.

Pajelança


Ganha corpo a proposta de convocação de um congresso do PSDB no ano que vem para discutir a reorganização do partido, com uma inovação: a escolha de um executivo, ao molde das empresas, para comandar a parte de infra-estrutura, enquanto ao presidente caberia a condução política.

Os tucanos já chegaram à conclusão de que, se não definirem aonde querem chegar, tão cedo não chegarão a lugar algum.

Pesos e medidas

São muitas as reclamações sobre o tratamento dado pela imprensa à condenação do sociólogo Emir Sader por injúria contra o senador Jorge Bornhausen, a quem chamou em artigo de “fascista”, “repulsivo”, “ladrão”, “explorador e assassino de trabalhadores”, em reação à frase do senador sobre o desejo de se ver “livre dessa raça pelos próximos 30 anos”, referindo-se ao PT.

Argumentam que a mesma liberdade de manifestação invocada para criticar o governo deveria ser alegada agora para censurar a sentença do juiz Rodrigo César Valente contra Sader.

As queixas não procedem, pois são questões totalmente diferentes. Uma coisa é a liberdade de se dizer o que se quer. A outra é a eventual ofensa cometida e o conseqüente recurso do ofendido à Justiça.

Não se contesta - ao menos aqui neste espaço - o direito de ninguém, seja político ou não, de ir aos tribunais em busca de reparação se achar os escritos ofensivos.

O que se condena em determinadas pessoas é a nítida intenção de criminalizar o exercício da crítica, da opinião, da interpretação e por vezes da mera reprodução de atos e fatos. Estes querem, da imprensa, concordância e consideram qualquer coisa diferente de aplauso, crime.

No caso de Jorge Bornhausen contra Emir Sader, aquele se sentiu ofendido por este e foi “buscar” seus direitos, assim como o condenado em primeira instância pode recorrer judicialmente. Assim é a vida, assim é a democracia. Simples, muito simples.

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