Entrevista:O Estado inteligente

domingo, novembro 12, 2006

JOÃO UBALDO RIBEIRO Subsídios para uma nova cartilha


Há certas coisas no PT que vêm fazendo falta, principalmente aos inclinados ao saudosismo, como eu. Vêm marcando meu tempo, são parte, queira eu ou não, da minha história. Ao contrário de muitos, ouço dizer que até no governo, gostei, por exemplo, de ver a estrela vermelha no maiô da primeira-dama, tenho sentido saudades daquele símbolo outrora tão ostentado e praticamente brasão da esperança para tantos de nós (desta vez, apesar dos números do segundo turno, menos, ou o presidente teria ganho no primeiro).

Mas a inovação não cessa e creio que a coqueluche do momento (lá se foi a modernização da linguagem para a Cucuia — velhice é uma desgraça) são as cartilhas. Tudo faz crer que eles gostam muito de uma cartilha e, volta e meia, lemos sobre alguma a ser distribuída a um grupo de felizardos ou a toda a população. Umas não deram muito certo, como a do politicamente correto, mas isso não é razão para desacreditar o cartilhismo em geral. O ideal de muitos deles, creio até, são cartilhas para orientação da vida de todo brasileiro em seus mínimos aspectos, e talvez possamos esperar normas para a utilização do banheiro, a prática sexual, a remoção de melecas e outros tantos setores que padecem da ausência de regras claras e benéficas à coletividade.

Ninguém me disse nada, mas claros sinais indicam que muitos setores do governo e do PT vêm pensando numa cartilha para a imprensa. Revelam má vontade os maldizentes que sustentam que na verdade pretendem controlar ou arrolhar a imprensa de alguma forma.

Pelo contrário, eles querem é melhorar a imprensa, que freqüentemente emite opiniões errôneas, ou seja, diferentes ou opostas às deles, assim prestando grave desserviço à nação. São só certas observações que devem ser levadas em conta, agora que, segundo a expressão, se não me engano, de um próprio petista, eles podem “cuspir nas rotativas” que ajudaram decisivamente sua ascensão ao poder.

O ministro Tarso Genro varia um pouco — e não só quanto à imprensa —, acho que conforme as circunstâncias que percebe. Já a outro ministro que vou citar peço, honestamente, sinceras desculpas por ter tido um branco, na hora de escrever o nome dele.

Claro, podia pegar o telefone ou o jornal e fazer uma consulta, mas quis registrar o fato de me ter dado o branco.

Não é nenhum desapreço por Sua Excelência, é esquecimento de verdade.

E, juro a vocês, do mesmo jeito que esqueço os nomes das capitais de alguns dos novos estados, agora não estou nem seguro de que o homem é de fato ministro. É o presidente do PT no momento, disso tenho certeza.

Há justificativas para meus lapsos de memória, além da avançada idade.

É que, como todos sabemos, talvez haja mais ministros no Alvorada do que contínuos, de maneira que a gente se esforça, mas não consegue decorar os nomes deles todos. Temos vasta cópia de ministros no governo e existirá, talvez, gente que proponha uma adaptação do repetidíssimo dito de Andy Warhol, segundo a qual, durante o presente governo, cada militante do partido ou aliado do governo será ministro durante pelo menos quinze minutos.

No boteco — e claro que é brincadeira de boteco —, chegaram a anunciar que havia o plano de nomear o chefe do serviço do cafezinho do palácio ministro do Fornecimento de Bebidas Estimulantes Não-Alcoólicas, mas parece que a idéia não foi adiante porque o salário do chefe de serviço no Alvorada, somado às vantagens, é maior do que o de ministro, de maneira que ficou tudo na mesma. Gaiatice, gaiatice de boteco, com a justificável suspeita, por parte do leitor, de que estou enrolando e já está na hora de pelo menos um chutezinho a gol.

Verdade. Dei a entender que tenho achegas a oferecer, à elaboração de uma cartilha para a imprensa. É somente um par de lembretes inofensivos, mas quiçá necessários, quando a imprensa, apesar da aproximação promovida pelo presidente, é vista até com certo rancor e se buscam meios para “democratizá-la” (verbinho bom, é o que Bush usa para designar o que está fazendo no Iraque). Democratizemna, pois. Ou seja, não se metam com ela, a não ser, naturalmente, que ela cometa algum delito.

Foi dito pelo presidente do PT a um jornalista que ele, jornalista, cuidasse da redação, que do PT cuidava ele, presidente do partido. Está errado, ele se distraiu. A imprensa toma conta das redações e toma conta do PT, sim, partido que está no poder e que deve satisfações o tempo todo, assim como toma conta dos outros partidos e de tudo o que é público. O governo é que não toma conta das redações, pois a liberdade de imprensa devia ser um galardão que esse governo brandisse com orgulho e não algo a ser temido.

A liberdade de imprensa não foi presente do governo nem de partido nenhum, nem é concessão ou colher de chá. (Deve ser repetido aqui, porque faz parte do ritual, quando se trata deste assunto: claro que a imprensa comete erros, como acontece em toda atividade humana, que outra novidade há para contar?) O Estado existe para servir ao cidadão, não o contrário. Eu sou obrigado — e aceito sem discutir — a ser governado desses governantes. Mas eles também são obrigados a aceitar governados como eu e outros que divirjam deles.

Todos os minoritários têm direito a tudo o que os majoritários têm, mas apenas uns poucos podem expressar pela imprensa suas opiniões. Eu posso e, portanto, é praticamente minha obrigação fazê-lo por quem não pode. E é obrigação do Estado democrático proteger o direito de expressão de quem discorda de seu governo. Nós somos indispensáveis.

E somos torcida a favor, apenas ficamos com medo de as coisas não darem certo. Por exemplo, estamos prontos para assistir ao espetáculo do crescimento, mas já há sinais de que o ingresso é muito caro e continua, como sempre esteve, na mão dos cambistas.

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