Entrevista:O Estado inteligente

domingo, novembro 12, 2006

Miriam Leitão Dois elementos

Miriam Leitão Dois elementos

O embaixador americano no Brasil, Clifford Sobel, veio da Holanda. Nada menos parecido que os dois países. Chegou em agosto e, só na semana passada, conseguiu ser recebido pelo presidente Lula. Mas não se arranca dele nenhuma manifestação de desagrado pela longa espera. Sobel apenas diz que foi na hora certa, após as eleições nos dois países.

Ele não perdeu tempo neste período em que ficou de castigo esperando ser recebido por Lula. Sobel manteve intensa atividade no Brasil em reuniões com empresários, economistas, políticos. Na quinta-feira, esteve em “Belo”, que é como ele já está chamando Belo Horizonte, e saiu encantado com dois políticos: Aécio Neves e Fernando Pimentel.

Lembrei que eram de partidos adversários, mas o embaixador disse que eles são igualmente competentes e com as mesmas atitudes.

Na sexta-feira, teve reuniões com várias pessoas no Rio e uma mesa-redonda fechada com economistas.

Pergunto o que concluiu sobre o Brasil, Sobel diz a única frase em que se arrisca em português: “Os brasileiros são simpáticos.” Eu perguntei a ele qual dos motivos levou à derrota republicana nas eleições de terça-feira: os escândalos sexuais no Congresso, as denúncias de corrupção, os problemas ambientais ou a guerra no Iraque.

— Você já respondeu. Foi tudo isso. Não se pode analisar o que houve na eleição dos Estados Unidos por uma única razão. Acho que a reação foi contra todos esses problemas — disse.

O embaixador, apesar de ter entrado na carreira há pouco tempo — depois de uma tentativa fracassada de ser senador por New Jersey e após uma bem-sucedida carreira de empresário da área de tecnologia —, foge da polêmica, com habilidade, ao avaliar as eleições.

— Isso sempre acontece, nas eleições de meio de mandato, a tendência do eleitorado é dar mais espaço à oposição. Bem, não tanto, é verdade.

A mudança do eixo do poder em Washington foi muito forte. Os democratas foram muito além do que os analistas previam. Conquistaram folgada maioria na Câmara dos Deputados, têm maioria no Senado, derrubaram de suas cadeiras veteranos do Partido Republicano e governam hoje mais estados que os republicanos.

Já mudaram a cara do Pentágono e podem fazer novas baixas.

O presidente Bush mostrou uma inesperada visão estratégica. Na manhã seguinte, já oferecia a cabeça de Donald Rumsfeld e pode ter que entregar a de John Bolton, o embaixador americano na ONU. Além disso, fez ágeis gestos de conciliação em relação à oposição, sempre hostilizada em seu governo e que também sempre o hostilizou.

Almoçou com a mulher que o chamou de troglodita e explicou aos jornalistas que sabe separar governo e oposição. Demonstrou que se preparou para a derrota cuidadosamente.

Bush sabe que está se enfraquecendo a cada momento, e que agora seu poder se esgota no tiquetaque do relógio. A cada minuto, ele é menos forte.

O presidente Lula caminha também para um momento assim. O segundo mandato tem essa lógica.

Como disse o governador Aécio Neves: “A expectativa de poder consegue agregar mais que o poder presente.” No primeiro mandato, num país com reeleição, o presidente encarna o poder presente e a expectativa de poder. Tem poder no mercado à vista e no mercado futuro. No segundo mandato, por mais consagradora que seja a reeleição, o desgaste vem.

Bush venceu o democrata John Kerry de lavada.

Dois anos depois, vê seu poder invadido pela presença forte dos democratas no Poder Legislativo e estadual.

Teve que moderar discurso e atitude e entregar uma cabeça emblemática: a do arquiteto da guerra.

Bush e Lula são só aparentemente diferentes. Eles se parecem em vários aspectos, e todas as pessoas que já presenciaram um encontro dos dois, ou falaram com cada um sobre o outro, sentiram que as gentilezas que trocam não são apenas protocolares.

O antigo embaixador americano no Brasil, John Danilovich, tinha essa impressão.

Sobel também: — Eles realmente gostam um do outro. Senti quando conversei com Bush que ele falava calorosamente sobre Lula, e senti o mesmo no encontro com o presidente Lula — comenta Clifford Sobel.

Os dois devem se encontrar de novo no ano que vem. Bush convidou Lula para visitar os Estados Unidos.

A relação entre os dois países, no entanto, passou por vários estranhamentos nos últimos anos. Quando pergunto a Sobel se ele acha que há áreas para serem mais exploradas, o embaixador americano concorda de forma entusiasmada.

Mas fala mais em contatos entre os setores privados.

— Há instituições irmãs no mundo empresarial que podem se aproximar.

Ao falar de investimento, Sobel gosta de olhar a outra mão do trânsito do capital.

— O Brasil é um grande investidor nos Estados Unidos.

Jorge Gerdau é hoje o quarto maior produtor de aço dos EUA. A Coteminas se associou à maior indústria têxtil.

Perguntei a Sobel sobre um assunto que andou preocupando muita gente: — O que vocês pretendem com a base militar instalada no Paraguai? — Não existe base nenhuma.

Não tenho a menor idéia de como surgiu isso.

O Paraguai nos pediu para fazer exercícios regulares conjuntos, como fazemos com outros países. Foi um trabalho temporário. Se você encontrar alguma base me chame — responde ele, rindo.

As relações entre Brasil e Estados Unidos sempre terão dois elementos: intensidade e desconfiança.

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