Artigo - Jorge Fagundes |
O Globo |
10/11/2006 |
Em recente entrevista ao GLOBO, quando indagado sobre o papel das agências regulatórias e a importância de sua independência, o presidente Lula, reeleito, inspirando-se talvez na famosa frase "O Estado sou eu", do monarca absolutista francês Luiz XIV, declarou taxativamente: "Não abro mão de governar o Estado." A resposta do presidente não deveria surpreender quem acompanha o tratamento dispensado pelo governo Lula às agências regulatórias: contingenciamento de verbas; aparelhamento político e crescente interferência dos ministros de plantão sobre as decisões fazem parte do cotidiano dos órgãos regulatórios nos últimos quatro anos. Entretanto, a frase do presidente deixa claro não somente seu viés autoritário, como sua profunda incompreensão sobre as diferenças entre Estado e governo, bem como os limites da ação do Poder Executivo. Com efeito, as agências regulatórias e de defesa da concorrência criadas durante do governo Fernando Henrique Cardoso (Anatel, Aneel, Cade etc.) são órgãos de Estado, cujos deveres, missões e procedimentos foram legalmente estabelecidos pelo Poder Legislativo, democraticamente eleito e em conformidade com os princípios constitucionais do país. Trata-se, portanto, de instituições voltadas para salvaguardar interesses coletivos de caráter social e universal, cuja independência é necessária para evitar que tais interesses sejam violados segundo as orientações particulares de um determinado governo. Assim, por exemplo, a legislação de defesa da concorrência no Brasil, à semelhança do que ocorre em praticamente todos os países, tem por objetivo proteger o bem difuso "concorrência" - bem este fundamental para garantir que os mercados funcionem adequadamente, alinhando os interesses privados com os interesses da sociedade - sendo o Cade o órgão responsável pela implementação das diretrizes fixadas pela Lei em Obediência à Constituição. Nesse contexto, não caberia ao presidente ou aos seus ministros intervir nas decisões independentes desse ou de qualquer outro órgão regulatório, na medida em que tal independência se aplica somente à vontade do Executivo, mas não em relação aos desejos da sociedade, expressos nas próprias legislações que os criaram e às quais encontram-se inteiramente subordinados. Cabe, evidentemente à Justiça - e não ao governo - a correção de eventuais desvios ou equívocos dos órgãos de regulação. Os órgãos regulatórios não somente são democráticos e politicamente importantes para a garantia da implementação isenta e técnica de princípios constitucionais e legais, como também são fundamentais para o crescimento econômico, ao geraram a segurança jurídica e a estabilidade de regras indispensáveis à indução dos investimentos privados nacionais e estrangeiros. Longe, portanto, de representarem entraves anacrônicos à evolução competitiva da economia brasileira, tais órgãos são instituições essenciais para a consolidação de um novo, moderno e democrático padrão de intervenção estatal na sociedade. De fato, quanto mais liberalizada for a economia, maior a necessidade de regulação e monitoramento do funcionamento dos mercados. O exemplo cristalino deste argumento pode ser encontrado, por exemplo, na força da legislação e instituições antitruste nos EUA, país constantemente citado como paradigma de uma economia de livre mercado e da livre iniciativa, e cujo sucesso da economia e da democracia é inegável. A consolidação dos órgãos de regulação e de defesa da concorrência no Brasil representa, portanto, a passagem do Estado interventor para o Estado regulador, a exemplo do que acontece nas economias desenvolvidas, em que existem instituições voltadas para a aplicação de legislações de defesa da concorrência e de regulação de mercados de infra-estrutura, como telecomunicações e energia. Tais legislações, operacionalizadas pelos órgãos de Estado, zelam pelo bem-estar social dos consumidores, protegendo os interesses difusos da sociedade contra o arbítrio de poder econômico e do poder político dos governos do momento, nem sempre a serviço do bem comum. Defender o esvaziamento das instituições de regulação dos mercados seria semelhante a advogar pelo fechamento do Congresso Nacional - responsável, aliás, pela aprovação dos membros indicados pelo presidente para ocuparem os cargos das agências - diante de alguma medida que desagradasse a determinados grupos da sociedade ou ao governo. A preocupação maior do atual presidente, portanto, deveria estar voltada para o aperfeiçoamento e fortalecimento dos órgãos de regulação, com o objetivo de transformá-los em entidades cujas decisões sejam crescentemente baseadas em critérios técnicos - jurídicos e econômicos - claros, precisos, independentes e transparentes, ainda que sempre pautadas pelos ditames legais estabelecidos pelos poderes legislativos e sujeitas à devida revisão por parte do Judiciário. |
Entrevista:O Estado inteligente
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