Entrevista:O Estado inteligente

domingo, novembro 05, 2006

AUGUSTO NUNEs SETE DIAS

Sete Dias

05/11/2006
Augusto Nunes
augusto@jb.com.br


O sorriso que compromete

O professor Marco Aurélio Garcia esbanja no momento a agressividade inconfundível de quem luta pela preservação do emprego. Deslocado nas últimas semanas para a presidência interina do PT, cuida ali de vigiar, por recomendação do chefe Lula, aloprados sempre à beira do descontrole. Não é esse o cargo que lhe interessa. O comando do partido é posto instável, sujeito a chuvas e trovoadas, que obriga o ocupante a tangenciar as fronteiras da marginalidade. A vida de que gosta Garcia é a garantida pela vistosa inscrição no cartão de visita: Assessor Especial da Presidência para Assuntos Internacionais.

O empregão infiltra o dono no triunvirato que administra a política externa. Tem poderes equivalentes aos de Celso Amorim, ministro das Relações Exteriores, e Samuel Pinheiro Guimarães, secretário-geral do Itamaraty. Com uma vantagem: está dispensado de miudezas burocráticas. Amorim tem todo o tempo do mundo para jogar conversa fora no gabinete presidencial, a poucos metros do próprio endereço palaciano.

Circunstâncias da campanha presidencial empurraram para o proscênio o insosso professor universitário – e Marco Aurélio Garcia mudou as técnicas de combate. Em defesa da boquinha recomendável a gente de paz, virou brigão de carteirinha. Um sargento Garcia que não mete medo em ninguém. Mas acha que mete.

Deu agora de enquadrar a imprensa brasileira, alternando a lengalenga do mestre-escola com admoestações de quem esconde a palmatória na maleta puída. Consumada a vitória de Lula, exortou os jornalistas a uma “reflexão sobre o papel que tiveram na eleição”. Garcia acha que a imprensa foi injusta com o governo.

Com o governo em geral, o PT em particular e, de modo especialíssimo, com os companheiros mensaleiros. “A chamada imprensa investigativa não conseguiu investigar nada, nem reunir provas consistentes contra nenhum dos acusados”, disse o candidato a mais quatro anos na folha de pagamento do Planalto.

Cada um vê o que lhe convém, ensina o mestre Lula. Garcia não viu nada? O procurador-geral da República, Luiz Fernando de Souza, viu o suficiente para denunciar a “organização criminosa sofisticada”, chefiada por José Dirceu de Oliveira, coordenada por no mínimo 40 figurões federais e forjada para garantir 20 anos de poder a Ali Babá. Para Garcia, nada disso é relevante.

Os liberticidas vão perdendo o pudor. Durante a semana, um delegado da Polícia Federal tratou como bandidos repórteres da revista Veja interessados na identificação de delinqüentes que o sherloque acoberta. Garcia não perde tempo com tais perfumarias. Nem permite a jornalistas perguntas sobre o que considera assuntos internos do partido. “Façam o seguinte”, ordenou, “cuidem das redações que nós cuidamos do PT”.

Antes afável, Garcia deixou de sorrir. Mas o engessamento da musculatura facial talvez seja apenas outra prova de apreço ao governo. O Planalto jura que o programa Saúde Bucal é um sucesso. A dentição inferior de Garcia diz que não.

Cabôco Perguntadô

O herói que nada esquece sabe que o doutor Waldir Pires é homem de vasto saber jurídico. Que sempre serviu lealmente aos chefes, do presidente João Goulart a Lula da Silva. Que ajudou a remover algumas fábricas de pilantragens infiltradas no aparelho federal. Que caiu de pára-quedas no Ministério da Defesa por falta de opção melhor. Que, no cargo, tem feito o que pode. Até aí, tudo bem. O que o Cabôco Perguntadô quer saber – com urgência – é o seguinte: o que sabe Waldir Pires de aviação civil?

Desmentido conjunto

Sempre à caça de invencionices que propaguem a cizânia, a discórdia e o desamor entre os milhões de irmãos brasileiros, parlamentares oposicionistas andam espalhando que a primeira-dama Marisa Letícia Lula da Silva, a ex-prefeita Marta Suplicy e a governadora reeleita do Rio Grande do Norte, Wilma Maia, são a mesma pessoa. Para neutralizar a boataria, as três prometem uma aparição conjunta para 1º de janeiro de 2007, na segunda festa de posse do presidente Lula.

Um bardo ao Sul!

Deve-se à revista Veja a redescoberta do livro de poemas Luas em pés de barro, de Tarso Genro. Em 1979, batia no peito do jovem bardo um coração comovido com a aparência das avós (“A vovó Cacilda parecia uma patinha”), solidário com a saga revolucionária de Fidel (“Em Cuba planta-se cana”) e prenhe de paixão viril (“Quanto te esperei/e quanto semên/inútil derramei até o momento”).
Com as voltas que a vida dá, o Brasil não ganhou um estadista. Mas ao menos se livrou de um poetastro.

Menos pressa, companheiros

O presidente Lula ensinou: primeiro são construídos os alicerces, depois se cuida do resto da obra. Assim, os milhões de brasileiros retidos nos aeroportos não têm nada que se queixar do homem que passou o feriadão descansando no marzão da Bahia.
Como Lula jurou na campanha, o governo fez (ou reinventou) 19 aeroportos. É o alicerce. Agora é que vêm controladores de vôo, pilotos, rotas com mão e contramão, pousos, decolagens. Se der, até cesta básica.


Yolhesman Crisbelles

A taça da semana vai para Eduardo Portella, ex-ministro da Educação e imortal da Academia Brasileira de Letras, pelo artigo em que destrinchou com garbo e inventividade a obra do escritor Jorge Amado. Trecho:

A linguagem desfascistiza a língua, subverte as montanhas binárias, supera o canibalismo ideológico, promove a instauração. O escritor, um produtor de linguagens, não deve ser visto como o advogado inflamado de todas as desditas comunitárias.

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