Artigo - Mauro Chaves |
O Estado de S. Paulo |
11/11/2006 |
Neste exato momento, quantos relatórios elaborados por profissionais responsáveis, dando conta de situações graves, de colapsos iminentes, não estarão sendo lidos meio preguiçosamente por chefes desleixados e, em seguida, jogados no fundo de burocráticas gavetas, como ocorreu há três anos com aquele relatório do Conselho Nacional da Aviação Civil (Conac) sobre a sobrecarga de serviço, baixa remuneração e falta de pessoal no importantíssimo setor de controle do tráfego aéreo do País, cujas falhas implicariam (como acabaram implicando) o sacrifício estúpido de grande quantidade de vidas humanas? Fez-se a comparação entre este “apagão aéreo” da era Lula e o “apagão energético” da era FHC. É claro que nenhum apagão apaga o outro e, no cômputo geral das irresponsabilidades intergovernamentais, não dá para deduzir do débito culposo de um grupo político a parcela devida por seu adversário. Mas a verdade é que, mesmo não se mostrando por meio de eventos trágicos, catastróficos, e sim corroendo de forma silenciosa, insidiosa, há inúmeros outros apagões que vão minando e destruindo, em ritmo constante e de forma inexorável, os alicerces e as perspectivas da sociedade brasileira. Com tudo o que a demagogia político-eleitoral tem pontificado, ao colocar a educação como “meta prioritária” de todos os candidatos e partidos, a realidade dos fatos mostra que, dos 10 milhões de jovens entre 15 e 17 anos, no Brasil, 5 milhões estão fora da escola. E, quanto ao grau de escolaridade da população economicamente ativa (PEA), no Brasil apenas 14,4% das pessoas completaram o ensino médio, enquanto esse porcentual (para ficarmos só com países “em desenvolvimento”) chega a 28,8% na Índia, a 45,3% na China, a 55,2% na Coréia do Sul, a 37% no México, a 35% no Chile e a 31,1% na Argentina. Quanto à qualidade desse ensino médio, no tocante à “preparação para a universidade”, o Brasil ocupa um dos últimos lugares do mundo (por sorte, sempre há um Haiti da vida que nos tira do fim da fila), tanto que apenas 4,4% de nossos jovens atingem a média internacional de aproveitamento em Matemática e 11% a de Leitura. Eis aí escancarado o nosso vergonhoso “apagão educacional”. Com todos os projetos que têm atravessado governos, prestando-se a amplas discussões no Legislativo e a empolgados discursos nas cúpulas dos tribunais, a verdade é que o Judiciário no Brasil se encontra tão ineficiente, moroso, emperrado, superlotado e falido como sempre. Um dos melhores negócios do mercado, por exemplo, é alugar uma planta industrial e calotear totalmente o pagamento do aluguel e dos encargos, confiando na demora da Justiça em decretar o despejo. A Justiça falida faz a festa dos maus pagadores - com exceção, é claro, dos casos em que os credores são os bancos, pois os “spreadadores” não perdoam. O antigo brocardo romano que dizia ser função da Justiça “dar a cada um o que é seu” foi mudado para “tirar de cada um o que é do banco”. E pronto, justiçou-se a questão. Trata-se ou não de um tremendo “apagão judiciário”? No Brasil há 152 faculdades de medicina, muito mais que nos Estados Unidos ou na China (segundo organismos internacionais de saúde, bastar-nos-iam 60). O que dizer, no entanto , da “qualidade média” de nossos médicos? Que defesa efetiva tem tido a sociedade brasileira contra diagnósticos errados, originados da precária formação profissional ou da pura incompetência, assim como tratamentos inadequados, confusões em prescrições, inabilidades cirúrgicas, descasos assistenciais, desleixos hospitalares e tantos procedimentos médicos (ou a falta deles) menos facilitadores das curas que dos óbitos? “Apagão na saúde”, sem dúvida. Campeão mundial absoluto em acidentes de trânsito (nisso o Haiti não nos pode salvar), o Brasil, com sua produção anual de 1,5 milhão de acidentes, 400 mil feridos e 34 mil mortos (mais de 11 vezes o número de norte-americanos mortos no Iraque), mantém a gloriosa média diária de 80 pessoas mortas e mil feridas no trânsito. Mas nesse imbatível “apagão da vida no trânsito” há certas particularidades assombrosas, como a dos cerca de 23 motociclistas que se acidentam, todos os dias, na cidade de São Paulo, graças ao veto (que fez o presidente FHC) ao artigo 56 do Código do Trânsito Brasileiro (Lei nº 9.503, de 23/9/97), que proibia a “costura” - a passagem das motocicletas pelos espaços entre os veículos, nas ruas e avenidas, coisa não permitida em qualquer outro lugar do mundo. Sobre esse veto, obtido pelo lobby dos fabricantes de motos (alguns até usam em sua propaganda frases criminosamente cínicas, do tipo “faça seu próprio caminho”), o ex-presidente FHC, recentemente, me prometeu uma explicação. Estou aguardando. O fato de o Brasil ter caído do 62º para o 70º lugar no ranking mundial da corrupção da Transparência Internacional indica que as bandalheiras perpetradas em nosso espaço público - do tipo valerioduto, propinas nos Correios, mensalão, dólares na cueca, sigilo de caseiro violado, sanguessugas, dossiêgate e tudo o mais - não são irrelevantes para os analistas e investidores internacionais. Ao investidor sério (não corruptor, do tipo turista sexual) país corrupto inspira insegurança (legislativa, administrativa, jurídica), pois ele não sabe se as bases negociais que atraíram seus recursos não poderão ser modificadas em razão de interesses escusos, como, por exemplo, por pressões ou subornos praticados por eventuais concorrentes. Assim, não se trata de simples “moralismo”, mas, sim, de engajamento, em favor do desenvolvimento econômico, toda luta que se trave no País contra o verdadeiro “apagão moral” - de que precisamos livrar as futuras gerações. |
Entrevista:O Estado inteligente
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segunda-feira, novembro 13, 2006
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