O Estado de S. Paulo |
12/11/2006 |
A Companhia Vale do Rio Doce (CVRD), uma das maiores mineradoras mundiais, antes uma estatal menos eficiente, perdeu a calma e disse o que todos pensam, mas até agora não disseram, com a dureza dos que não agüentam mais. Investir no Brasil é quase um calvário, a cotação do dólar provocou uma elevação de custos da ordem de US$ 500 milhões, o governo não ajuda, só atrapalha, projetos estão sendo ou serão suspensos e adiados. E, para finalizar, uma frase antológica que deveria estar na mente de todos os ministros e exposta na parede frontal à mesa do presidente Lula, em letras garrafais, vermelhas, é lógico: "Estamos tropeçando em nós mesmos." É uma espécie do nosso "não empurra que eu caio sozinho..." Quem afirma isso é o diretor-executivo de Finanças da empresa, Fábio Barbosa, desabafo de hora da verdade. O Brasil tem condições para crescer mais, muito mais, mas assim não dá. Tudo atrapalha, dificulta a produção, as exportações, o aumento da capacidade produtiva. Portos, estradas, dólar, burocracia paralisante. Só o mercado externo ajuda, com a Vale exportando 70 milhões de toneladas para a China. É bom, mas poderia ser melhor não fosse o câmbio sufocante que atrapalha, repete ele com insistência. Veja, leitor, se a Vale, com toda a sua potência, reclama que com esse dólar é difícil a exportação, que a burocracia no governo emperra sua produção e que investir no Brasil é um calvário, pode-se imaginar a situação de outras médias e grandes empresas, nacionais ou estrangeiras. Não investem, não vêm, vão para outros países, China, Rússia, onde se fala menos e se age mais, onde não se cobra imposto sobre investimento para exportação. Caminhamos para trás, para o fim da fila, não porque não avançamos - afinal as exportações não param de crescer -, mas avançamos lentamente como "os atrasados que não têm pressa", enquanto os outros países correm acelerados. Estamos na pista de corrida veloz, mas corremos como se estivéssemos na de maratona. ENFIM, MAS E DAÍ? O ministro da Fazenda, Guido Mantega, admitiu nesta semana que a valorização do real preocupa, atrapalha; a causa, diz, é o juro elevado que atrai aplicações financeiras especulativas, derrubando o dólar. Dinheiro volátil e não de investimentos diretos em projetos produtivos. Certo, todos sabem disso, mas por que não se agiu antes? Esse governo tem 4 anos! Se o ganho com o diferencial entre o nosso juro interno e o do Tesouro americano atrai aplicadores, por que nada fizemos para atrair também os investidores diretos que vêem no Brasil uma grande oportunidade para construir fábricas, produzir e exportar? Por que estagnamos aí na casa dos US$ 14 bilhões de investimentos diretos, pouco menos do "aumento", vejam bem, "aumento" da China que passou de US$ 60 bilhões em 2004 para nada menos que US$ 72 bilhões no ano passado! Sim, é isso. Certamente, boa parte desse investimento poderia ter vindo para o Brasil, mas o governo, ninguém em Brasília, ajuda, só atrapalha. Investir para exportar como, se não se tem idéia da evolução do câmbio na hora de embarcar? Para atender ao mercado interno? Como, se ele estagnou? O Bolsa-Família atenua a miséria, pode até evitar a fome, mas não gera demanda suficiente para criar o que realmente importa para as classes menos favorecidas, emprego, renda própria! Viver para apenas comer a vida toda à custa da caridade do governo não tira ninguém da miséria e da pobreza, no sentido humano. E, no sentido econômico, não gera emprego, consumo, e nem quero falar em riqueza. Nada, nada de nada. Parece que o presidente, mesmo mais maduro, não entendeu ainda o mecanismo que tira os pobres da pobreza, os miseráveis da miséria - veja o levantamento da ONU, divulgado na quinta-feira, que nos coloca entre os mais pobres dos pobres, no 69º lugar no ranking entre os outros países em índice de desenvolvimento humano. Por quê? Somos um país grande, caro e, acima de tudo, incrivelmente mal administrado. Esta é a verdade. SOLUÇÃO DIFÍCIL Depois da crítica, a sugestão construtiva. Como superar isso? O ministro da Fazenda entendeu, só com investimentos; o presidente, não. Mantega afirma que, para o governo investir, é preciso cortar gastos; Lula rebate no mesmo dia que "corte, corte, tem de parar de falar nisso e falar em crescimento", desabafou. "Cortar R$ 1 bilhão ou R$ 2 bilhões não resolveria nenhum problema." Por que não cortar mais ao invés de inchar a máquina pública como fez nas vésperas da eleição? Mas crescer como, se o governo não estimula, ao contrário, afastou nestes quatro anos os investimentos externos e até mesmo internos? Se o mercado de emprego e a economia estagnaram, se as exportações têm crescido mas são de todo insuficientes para atender às necessidades do País? Como crescer e criar empregos, como tirar da miséria esta imensa camada de pobres e miseráveis que se contentam com apenas comer? VEM PACOTE AÍ... Lula anunciou na quinta-feira que vem aí "um pacote de coisas que vão acontecer e quero anunciar ainda neste ano", para a economia crescer acima de 5%. Que "coisas"? De acordo com o ministro Mantega, suspensão de cobrança de impostos federais para a instalação de projetos produtivos. E vai dar, sem aumentar os impostos?... Resumindo, estamos aí diante de um impasse entre a realidade e um paraíso de boas intenções. Está tudo muito confuso no mundo de Brasília quanto a uma política de desenvolvimento. O ministro e todo mundo sabem o que é preciso fazer, cortar juros, desvalorizar o real para aumentar mais as exportações, com todos os seus desdobramentos econômicos e sociais, elevar os investimentos. Vai dar? Não sei, ninguém sabe, mas os exemplos do passado não animam e até agora parece que o presidente não mudou. Infelizmente, parece que o agora bem-intencionado presidente não entendeu que fome não é miséria e miséria não se ataca com comida, mas educação, saúde, emprego e renda. E tudo isso num Estado que fica com 40% da riqueza nacional mas esta brutalmente endividado. Por isso é preciso mudar logo de verdade, para buscar os investimentos externos, que não vieram mais, e segurar os internos que estão indo embora para a Rússia, a China, e até para o Oriente Médio e a África. É, os ex-comunistas recém-convertidos às agruras do capitalismo estão certos. Nós é que estamos errados. Chega! Vamos confiar. Dá? E tem outra saída senão clamar muda Brasil? * E-mail: at@ttglobal.net |
Entrevista:O Estado inteligente
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