Entrevista:O Estado inteligente

sábado, novembro 04, 2006

André Petry O uísque do governo


"Que ninguém duvide de que qualquer
governo, tucano ou petista, faria tudo
para garantir vida longa à CPMF e seus
monumentais
30 bilhões de reais"

Em American Graffiti, um dos primeiros filmes do cineasta George Lucas, lançado no Brasil sob o título Loucuras de Verão, há uma cena em que um adolescente entra numa lojinha de conveniência, contempla maravilhado a seqüência interminável de garrafas de uísque expostas nas prateleiras e começa a fazer seu pedido ao atendente. Pede uma barra de chocolate, uma caneta, um pedaço de carne seca, uma garrafa de uísque, umas pilhas... Quase que de forma mecânica, o atendente foi colocando cada pedido sobre o balcão e está prestes a fechar a embalagem com tudo dentro para entregar ao comprador quando se dá conta de um detalhe fundamental: "Você tem carteira de identidade para comprar o uísque?". O plano do adolescente falhara. Ele não tinha idade para comprar a bebida. E a lista de compras era propositadamente extensa apenas para encobrir o único produto que realmente lhe interessava: a garrafa de uísque.

Pois, na semana passada, na primeira reunião de trabalho no Palácio do Planalto depois da reeleição, Lula encontrou-se com quatro ministros e com o presidente do Banco Central – e pareciam à beira do balcão de uma loja de conveniência. Na reunião, os ministros levaram uma lista com cinqüenta idéias capazes de ajudar o país a crescer a 5% do PIB nos próximos quatro anos. Listaram providências importantíssimas, todas muito vagas, amplas e subjetivas como reduzir o custo dos investimentos, diminuir a carga tributária para setores estratégicos, enxugar as despesas da máquina pública... Tudo muito aéreo, mas, à certa altura da lista interminável, perdida como se não merecesse nenhum destaque ou atenção especial, aparecia uma das poucas medidas precisas e claras do pacote: "prorrogação da CPMF". Bingo. É o uísque do governo. Listaram cinqüenta idéias, mas o que realmente interessa é prorrogar a CPMF. O resto é pilha e chocolate.

CPMF é a sigla de contribuição provisória sobre movimentação financeira, conhecida como "imposto do cheque". Foi criada em 1997, com o objetivo de injetar dinheiro na saúde. Deveria durar apenas o tempo necessário para que o governo de então reorganizasse suas contas e encaminhasse a reforma tributária. Daí porque se chamava "provisória". Com as sucessivas prorrogações, já virou uma contribuição permanente e está prestes a completar sua primeira década de vida. Hoje, a CPMF recolhe cerca de 30 bilhões de reais anuais para o governo, e o dinheiro, naturalmente, não vai apenas para a saúde mas serve para tapar vários buracos.

Que ninguém duvide da honestidade das intenções do presidente e de seus ministros sobre o crescimento econômico. Não resta dúvida de que querem, sim, que o país cresça a 5% do PIB ou mais. Que ninguém duvide de que qualquer governo, tucano ou petista, faria tudo para garantir vida longa à CPMF e seus monumentais 30 bilhões de reais. Mas, dadas a tradição tributária brasileira e a imensa capacidade que o governo petista já demonstrou para fazer coisas com rapidez e eficiência, também não vale duvidar de que as cinqüenta providências importantíssimas possam vir a cair uma depois da outra – até restar apenas, triunfal e soberana, a prorrogação da CPMF.

No filme, o golpe não dá certo. O Brasil não é um filme.

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