Entrevista:O Estado inteligente

sexta-feira, fevereiro 03, 2006

Dora Kramer - Alckmin admite disputar prévia




O Estado de S. Paulo
3/2/2006

Pré-candidato do PSDB à Presidência da República, o governador Geraldo Alckmin vem subindo gradativamente o tom. Até outro dia nem a candidatura reconhecia; agora, já admite falar até em realização de prévias dentro do partido - "por que não?"- e diz estar pronto para disputar. "Vou contar com a maioria", assegura, convicto de que representa a "solução natural" para os tucanos. "Estou me preparando para a disputa." Tamanha assertividade talvez tenha relação com o momento. Geraldo Alckmin começou o dia ontem especialmente aborrecido com a movimentação do grupo aliado ao companheiro e oponente no partido, José Serra.
Para manter as aparências - terreno nobre na seara tucana -, pôs a culpa na imprensa pelo noticiário do dia dando conta de uma possível desistência de disputar a indicação do PSDB como candidato a presidente da República. "É impressionante a quantidade de futricas que são publicadas", foi logo dizendo no início do expediente da manhã, depois de ler os jornais, 40 minutos antes de atender o governador Aécio Neves - "meu irmão, eu sou mineiro"- ao telefone.
A contrariedade se manifesta de acordo com o jeito Alckmin de ser: é contida, sem exuberâncias nem referências diretas ao adversário, mas está lá, expressa nas entrelinhas e na fisionomia surpreendentemente tensa. Nelas, o governador escreve o que pensa. Parece não ter dúvida de que o trajeto das "futricas" obedeceu a um traçado linear entre as bocas serristas e as páginas dos matutinos. "É plantação", resume, recorrendo ao jargão usado para definir informações disseminadas de caso pensado para atingir um objetivo.
No caso, criar a impressão de que a direção do PSDB já se decidiu pelo nome do prefeito José Serra.
O governador não só desqualifica as versões, como aponta para a necessidade de a escolha obedecer a regras muito claras, preestabelecidas e, de preferência, da forma mais ampla possível. "A direção do partido vai precisar determinar qual será o colégio de decisão." Não abre a guarda sobre a sua preferência no tocante ao foro mas, por via das dúvidas, tem andado o País todo visitando prefeitos, dirigentes regionais, entidades locais e, em cada Estado, cada cidade (vai sempre à capital e ao segundo maior município), se tem oportunidade, se reúne também com dirigentes de outros partidos potencialmente aliados.
Dedica especial atenção ao PMDB, PFL e PPS, mas não rejeita apoio venha de onde vier. E assim pretende construir a "maioria"- pelo visto não só interna - com a qual espera contar para garantir a "naturalidade" de sua indicação. Em resumo, Alckmin aposta no entendimento, acha que a vez é dele, enxerga-se em condições perfeitas de enfrentar o presidente Luiz Inácio da Silva, põe fé na imparcialidade do triunvirato Aécio Neves, Fernando Henrique Cardoso e Tasso Jereissati, mas digamos que prefere confiar desconfiando.
Lembra que na última reunião dos cardeais os três saíram dizendo que iriam ouvir o partido a respeito da melhor opção. É isso que quer: uma decisão pautada na vontade do partido, na capacidade de agregar aliados e no potencial de crescimento no resto do País. Em São Paulo, acredita, está com a vida ganha. "Tenho 62% de ótimo e bom, 7% de ruim e péssimo. Nem Mário Covas nem Franco Montoro tiveram essas avaliações", diz, citando suas duas grandes referências na política.

Governador não aceita decisão fechada, quer regras claras e consulta ampla no PSDB

Se precisar, vai às prévias - "disputar não é pecado" - e isso já está claro. Mas, se perder, iria até a convenção bater chapa com Serra? Fiel ao perfil enigmático, não nega nem confirma. Pega um caminho paralelo, lembra que a decisão precisa ser tomada muito antes de junho (data da convenção) por causa dos prazos de desincompatibilização e volta ao ponto inicial recusando-se a discutir hipóteses relativas a derrota ou desistência. "Não vou analisar nenhuma alternativa diferente da candidatura."
Não se trata da possibilidade da abertura de uma dissidência - "respeito a democracia interna do partido" -, mas de uma convicção de que o destino bate agora à sua porta como já bateu de outras vezes em que foi candidato: da eleição de vereador em Pindamonhangaba aos 19 anos à escolha para vice na chapa de Mário Covas, em 1994, e à decisão de enfrentar o voto direto para o governo do Estado, em 2002.
Tão obstinado está, que já pensou nos motes de campanha e arrumou um apelido para seu futuro ministério - "Brasilério" -, imaginado para substituir o "Paulistério", ao molde de agradar aos inconformados com a prevalência dos políticos paulistas no poder.
A administração em São Paulo servirá para sustentar o slogan daquele que "já fez" e a esperança representada por Lula em 2002 ganharia uma nova roupagem no conceito do "sonho" de um Brasil desenvolvido. "É o sonho sem bravata", ressalva.
E se, diante do exposto, o leitor passou a imaginar que Geraldo Alckmin possa dar mais trabalho do que alguns supõem em face de suas maneiras amenas, conviria seguir a intuição.

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