folha de s paulo
De repente , uma geração inteira envelheceu. O tempo avançou silenciosamente sobre os homens e mulheres de 50 a 70 anos, sem que esses desconfiassem de quanta oportunidade estavam perdendo. Assim consumimos a década de 80. Foi-se a de 90, inteira. E mais da metade da primeira década de 2000. O Brasil foi ficando para trás, enquanto debatíamos teses e modelos. De 1985 a 2004, a renda brasileira per capita praticamente estagnou -cresceu menos que 14% (menos de 1% ao ano).
A Coréia do Sul teve um surto extraordinário: 247%. O Chile, aqui ao lado, viu a renda de cada cidadão saltar 121% e é considerado hoje o país mais "ético" da região para fazer negócios, segundo pesquisa da Management & Excellence. A China, com mais de 1 bilhão de cidadãos, avançou 151%. Esses países buscaram abertura econômica e contiveram o assistencialismo de Estado. Convicções infelizes e opções equivocadas perturbaram a visão dos líderes brasileiros. Não perseguimos o que seria mais relevante: a educação intensificada, o crescimento acelerado, o valor do empreendedorismo e o enxugamento da máquina pública.
Perdemo-nos nos interesses de grupos e facções políticas. Pelas mais nobres e variadas razões, erramos o caminho. Agora, a "geração dos 50 a 70" começa a refazer suas contas de tempo e oportunidade. Pela esquerda, a que mais sonhou, o desmanche da utopia distributivista recebeu seu golpe final no contraditório da atual crise política.
O insuspeito Cristovam Buarque, em sua carta de desfiliação do PT, suspira: "Quarenta anos mais tarde, sinto-me no mesmo lugar". É o mesmo lamento de Conceição Tavares -"meu projeto de vida fracassou"- ou a estóica constatação de Gabeira: "Aqui, o Muro de Berlim caiu muito lentamente... o sonho acabou".
Não são só esses. A consciência do prejuízo, do custo da oportunidade perdida, assalta a quem quer que mantenha os olhos bem abertos. Roberto Campos, o mais lúcido crítico da mediocridade dominante, não cansava de nos cobrar a insensatez de haver deixado o Brasil perder as "três ondas mundiais de progresso" nas últimas décadas. Estava mais do que certo. Na semana passada, Delfim Netto, em oportuno debate na Fecomercio SP sobre a (falta de) prosperidade no Brasil contemporâneo, calculava, com a acuidade habitual, quanto tempo levaria para dobrar os atuais US$ 3.000 da renda per capita do brasileiro: cerca de 80 anos, ou seja, ninguém vai ver isso acontecer. Com uma pontinha de orgulho, Delfim recordava, em sua fala, que já houve tempo em que dobrar a renda per capita não demorava mais que 20 anos; ou seja, era plantar e colher dentro da mesma geração.
Cabeças prestigiadas da "geração dos 50 a 70", como Luiz Carlos Mendonça de Barros e Aspásia Camargo, pontuavam, no mesmo debate da Fecomercio, que a prosperidade efetiva do Brasil poderia estar, de novo, ao nosso alcance. O país acertou, segundo eles, suas contas com o passado. Esqueletos financeiros foram desbaratados. A dívida pública parece querer entrar em rota descendente. O engessamento produtivo das ex-estatais deu lugar a saltos da produtividade privada. A população amadureceu, em idade e experiência política. Falta, contudo, na visão de Aspásia, "choque transicional de liberalismo" -não confundir com a perigosa fórmula neoliberal. A liberação das forças criativas da sociedade agiria como um "roto-rooter" sobre as estruturas entupidas do poder, especialmente aquelas relações espúrias entre o setor privado rentista e a máquina fiscal-burocrática do Estado. Qualquer semelhança com as situações vividas nesta crise política não seria mera coincidência...
Mas o Brasil deve ter perdido a memória do crescimento. Nossa geração acomodou-se à possibilidade de não ser e seguir não sendo. Mas a outra geração, de milhões de jovens, clama, no Brasil, por uma chance de reagir à modorrenta pasmaceira vigente. São jovens de 15 a 25 anos, que não verão os benefícios da atual Previdência Social, para a qual tampouco recolherão, por lhes faltar os empregos formais numa economia que opera sem gosto pelo crescimento.
O debate político com vistas a 2007 deveria começar já. O presidente da República, que pertence à geração dos 50 a 70, poderia inaugurá-lo, quem sabe, propondo uma Constituinte revisora para o ano que vem. Seria um modo de recuperar a esperança, sem novas fantasias.
Entrevista:O Estado inteligente
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